António Cluny - Os portugueses conhecem bem as
"chico-espertices", que sempre têm servido para beneficiar os amigos
e compensar os serventuários do poder político e económico.
1. Um dos problemas que afligem o país é a propensão dos que detêm
qualquer tipo de poder para se julgarem acima da lei e desrespeitarem as
decisões dos tribunais.
Em geral, recorrem à utilização de estratagemas interpretativos para
contornar a substância dos comandos legais ou o sentido real das sentenças. Há,
em áreas que muito contribuíram para o actual estado de "crise" -
fiscalidade, finanças públicas, urbanização e ordenamento do território,
organização do Estado -, especialistas capazes de orientar os cidadãos, as
corporações privadas e até certas instituições públicas no caminho da superação
dos limites e obrigações que a lei ou a jurisprudência impõem a certas
actividades e condutas. O próprio legislador habituou-se a negar com uma mão o
que quer permitir com a outra. Nasceu assim, entre outras, a moda pós-moderna
das empresas e institutos públicos, cujo objectivo principal é, demasiadas
vezes, o de permitir contornar proibições de despesa pública e fazer auferir
aos seus responsáveis, partidariamente escolhidos, rendimentos que estão
vedados aos quadros da administração pública.
Os portugueses conhecem bem essas "chico-espertices", que
sempre têm servido para beneficiar os amigos e compensar os serventuários do
poder político e económico.
Tais estratagemas têm enriquecido muitos, mas têm também, quando
excessivos, feito perder eleições e maiorias. Os poderes públicos têm agido,
todavia, quase sempre com cuidado e sem se arriscarem a contrariar, directa ou
violentamente, a Constituição, as leis e as decisões judiciais.
2. O acórdão (Ac) do TC relativo ao corte dos subsídios é, pese a poeira
contra ele lançada, simples, claro e directo. Neste momento de aflição
insuportável para a maioria dos portugueses e a fim de que não haja desculpas,
convém, por isso, relê-lo:
O Ac relembra, primeiro, que fora já "...adoptada em 2010,2011 e
2012 uma política de congelamento dos salários do sector público e, nos dois
últimos anos, das pensões, (...) o que, conjugado com o fenómeno da inflação,
resulta numa redução real desses salários e pensões...".
Acrescenta depois:
(i)"... os subsídios de férias e de Natal ou quaisquer prestações
correspondentes ao 13.8 e 14.8 meses (...) não revestem, no essencial, natureza
diversa das remunerações salariais que foram objecto da redução determinada
pelo OE para 2011»;
(ii)"... com as medidas constantes das normas impugnadas, a
repartição de sacrifícios (...) não se faz de igual forma entre todos os
cidadãos...";
(iii)"... a diferença de níveis de remuneração não pode ser
avaliada apenas em termos médios, pois o tipo de trabalho e funções que são
exercidos no sector público (...) não são de modo nenhum necessariamente iguais
aos do sector privado";
(iv)"... No que respeita à alegação da maior garantia de
subsistência do vínculo laboral (...) esse dado não é idóneo para justificar
qualquer diferenciação na participação dos cidadãos nos encargos com a
diminuição do défice público";
(v)"... a diferença do grau de sacrifício tem de ser proporcionada
(...) não podendo revelar-se excessiva";
(vi)"... nenhuma das imposições de sacrifícios descritos tem
equivalente para a generalidade de outros cidadãos que auferem rendimentos
provenientes de outras fontes...";
(vii)"... as normas que prevêem a suspensão dos subsídios de férias
e Natal ou quaisquer pensões (...) violam o princípio da igualdade";
(viii) "Declara-se a inconstitucionalidade, com força obrigatória
geral, por violação do princípio da igualdade (...) das normas...".
«There you are!», em inglês para nomista entender.
António Cluny, Jurista e presidente da MEDEL
ionline de
18-09-2012
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