terça-feira, 18 de setembro de 2012

There you are!

António Cluny - Os portugueses conhecem bem as "chico-espertices", que sempre têm servido para beneficiar os amigos e compensar os serventuários do poder político e económico.
1. Um dos problemas que afligem o país é a propensão dos que detêm qualquer tipo de poder para se julgarem acima da lei e desrespeitarem as decisões dos tribunais.
Em geral, recorrem à utilização de estratagemas interpretativos para contornar a substância dos comandos legais ou o sentido real das sentenças. Há, em áreas que muito contribuíram para o actual estado de "crise" - fiscalidade, finanças públicas, urbanização e ordenamento do território, organização do Estado -, especialistas capazes de orientar os cidadãos, as corporações privadas e até certas instituições públicas no caminho da superação dos limites e obrigações que a lei ou a jurisprudência impõem a certas actividades e condutas. O próprio legislador habituou-se a negar com uma mão o que quer permitir com a outra. Nasceu assim, entre outras, a moda pós-moderna das empresas e institutos públicos, cujo objectivo principal é, demasiadas vezes, o de permitir contornar proibições de despesa pública e fazer auferir aos seus responsáveis, partidariamente escolhidos, rendimentos que estão vedados aos quadros da administração pública.
Os portugueses conhecem bem essas "chico-espertices", que sempre têm servido para beneficiar os amigos e compensar os serventuários do poder político e económico.
Tais estratagemas têm enriquecido muitos, mas têm também, quando excessivos, feito perder eleições e maiorias. Os poderes públicos têm agido, todavia, quase sempre com cuidado e sem se arriscarem a contrariar, directa ou violentamente, a Constituição, as leis e as decisões judiciais.
2. O acórdão (Ac) do TC relativo ao corte dos subsídios é, pese a poeira contra ele lançada, simples, claro e directo. Neste momento de aflição insuportável para a maioria dos portugueses e a fim de que não haja desculpas, convém, por isso, relê-lo:
O Ac relembra, primeiro, que fora já "...adoptada em 2010,2011 e 2012 uma política de congelamento dos salários do sector público e, nos dois últimos anos, das pensões, (...) o que, conjugado com o fenómeno da inflação, resulta numa redução real desses salários e pensões...".
Acrescenta depois:
(i)"... os subsídios de férias e de Natal ou quaisquer prestações correspondentes ao 13.8 e 14.8 meses (...) não revestem, no essencial, natureza diversa das remunerações salariais que foram objecto da redução determinada pelo OE para 2011»;
(ii)"... com as medidas constantes das normas impugnadas, a repartição de sacrifícios (...) não se faz de igual forma entre todos os cidadãos...";
(iii)"... a diferença de níveis de remuneração não pode ser avaliada apenas em termos médios, pois o tipo de trabalho e funções que são exercidos no sector público (...) não são de modo nenhum necessariamente iguais aos do sector privado";
(iv)"... No que respeita à alegação da maior garantia de subsistência do vínculo laboral (...) esse dado não é idóneo para justificar qualquer diferenciação na participação dos cidadãos nos encargos com a diminuição do défice público";
(v)"... a diferença do grau de sacrifício tem de ser proporcionada (...) não podendo revelar-se excessiva";
(vi)"... nenhuma das imposições de sacrifícios descritos tem equivalente para a generalidade de outros cidadãos que auferem rendimentos provenientes de outras fontes...";
(vii)"... as normas que prevêem a suspensão dos subsídios de férias e Natal ou quaisquer pensões (...) violam o princípio da igualdade";
(viii) "Declara-se a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio da igualdade (...) das normas...".
«There you are!», em inglês para nomista entender.
António Cluny, Jurista e presidente da MEDEL
ionline de 18-09-2012

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