Já
se percebeu que Pedro Passos Coelho julga que pode governar sem ligar grande
coisa à opinião pública. Depois da desastrosa comunicação de 7 de Setembro, as
circunstâncias aconselhariam moderação e prudência. Mas o que ouvimos a Passos
Coelho? "Quem governa não pode estar a governar para satisfazer a opinião
pública". No dia seguinte, as manifestações foram o desabamento deste seu
mundo de negação.
A
democracia é o regime da opinião pública. É o regime da conversa, da persuasão,
da negociação. Mesmo quando parece inútil ou improfícua, não se pode negar a
conversa. Toda esta raiva que de repente fluiu para as ruas, sem sabermos como
e onde acabará, significa que muita gente achou que devia participar na conversa.
Muita gente achou que era uma maneira de parar o Governo. Nada mais natural.
Mas
a democracia, é bom lembrar, também é o regime que tenta ir além da conversa.
Somos hoje um país sem soberania. Temos um "ajustamento" severo a
fazer. Temos metas orçamentais para cumprir. Temos credores à perna. Temos
escolhas pela frente que nunca serão indolores. E não dependemos só de nós.
Os
próximos tempos dirão se o Governo quer mesmo governar sem "ouvir" a
opinião pública. Os próximos tempos também dirão se a dita opinião pública quer
opinar e protestar sem "ouvir" o Governo. Não falo só deste Governo
em concreto. Falo do reconhecimento de que as medidas duras precisam tanto de
uma sociedade disponível para a austeridade, como de um país governável em austeridade;
precisam de uma política realista e adaptada às nossas circunstâncias, de uma
ética da responsabilidade e não apenas de uma ética da convicção. As
manifestações de sábado podem até ser um sinal de que o Governo perdeu o país.
Agora é preciso perguntar: será que o país perdeu o Governo?
As
manifestações de sábado foram um acontecimento político. Com muita gente
desiludida e receosa, farta de políticos sem honra nem vergonha, insatisfeita
com o que está a ser cozinhado sem a sua compreensão. Mostram com clareza que a
vontade de um Governo e o estado de emergência não são suficientes. Limitamse a
despejar uma política de austeridade, convencidos de que o resto é acessório:
ponderar o impacto das medidas, ouvir os parceiros sociais, perceber os sinais
da sociedade. Mas uma manifestação não é nenhum "regresso da
política". Pode até ser a sua negação. A política é o que fazemos quando
precisamos de escolher e decidir no mundo real, com limitações e contingências.
E é nesse mundo que estamos.
Os
próximos tempos servirão para fazer o teste. Neste momento, não será melhor um
Governo saído de eleições, influenciável pelo tribunal da opinião pública e
disponível para se autocorrigir, do que um Governo imposto pela troika que,
esse sim, actuará pela pura força? A democracia não está suspensa, como de
resto provam as manifestações de sábado. Já das alternativas, não sabemos bem.
E, contra essas, não haverá conversa que nos salve.
Cabe
a Passos Coelho ponderar as consequências das medidas que propõe, mostrando
que, ao contrário do que infantilmente diz, a opinião pública é importante.
Isso passa por deixar cair o aumento da taxa social única para os trabalhadores
e abrir-se às alternativas que existem. Cabe à opinião pública ponderar as
consequências dos seus protestos, mostrando que não deseja o vazio e o caos.
A
opinião pública pode salvar o Governo de um erro crasso. Salvar-se-á a opinião
pública também de si mesma?
Pedro Lomba
Público
de 18-09-2012
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