terça-feira, 18 de setembro de 2012

Salvar a "opinião pública"

Já se percebeu que Pedro Passos Coelho julga que pode governar sem ligar grande coisa à opinião pública. Depois da desastrosa comunicação de 7 de Setembro, as circunstâncias aconselhariam moderação e prudência. Mas o que ouvimos a Passos Coelho? "Quem governa não pode estar a governar para satisfazer a opinião pública". No dia seguinte, as manifestações foram o desabamento deste seu mundo de negação.
A democracia é o regime da opinião pública. É o regime da conversa, da persuasão, da negociação. Mesmo quando parece inútil ou improfícua, não se pode negar a conversa. Toda esta raiva que de repente fluiu para as ruas, sem sabermos como e onde acabará, significa que muita gente achou que devia participar na conversa. Muita gente achou que era uma maneira de parar o Governo. Nada mais natural.
Mas a democracia, é bom lembrar, também é o regime que tenta ir além da conversa. Somos hoje um país sem soberania. Temos um "ajustamento" severo a fazer. Temos metas orçamentais para cumprir. Temos credores à perna. Temos escolhas pela frente que nunca serão indolores. E não dependemos só de nós.
Os próximos tempos dirão se o Governo quer mesmo governar sem "ouvir" a opinião pública. Os próximos tempos também dirão se a dita opinião pública quer opinar e protestar sem "ouvir" o Governo. Não falo só deste Governo em concreto. Falo do reconhecimento de que as medidas duras precisam tanto de uma sociedade disponível para a austeridade, como de um país governável em austeridade; precisam de uma política realista e adaptada às nossas circunstâncias, de uma ética da responsabilidade e não apenas de uma ética da convicção. As manifestações de sábado podem até ser um sinal de que o Governo perdeu o país. Agora é preciso perguntar: será que o país perdeu o Governo?
As manifestações de sábado foram um acontecimento político. Com muita gente desiludida e receosa, farta de políticos sem honra nem vergonha, insatisfeita com o que está a ser cozinhado sem a sua compreensão. Mostram com clareza que a vontade de um Governo e o estado de emergência não são suficientes. Limitamse a despejar uma política de austeridade, convencidos de que o resto é acessório: ponderar o impacto das medidas, ouvir os parceiros sociais, perceber os sinais da sociedade. Mas uma manifestação não é nenhum "regresso da política". Pode até ser a sua negação. A política é o que fazemos quando precisamos de escolher e decidir no mundo real, com limitações e contingências. E é nesse mundo que estamos.
Os próximos tempos servirão para fazer o teste. Neste momento, não será melhor um Governo saído de eleições, influenciável pelo tribunal da opinião pública e disponível para se autocorrigir, do que um Governo imposto pela troika que, esse sim, actuará pela pura força? A democracia não está suspensa, como de resto provam as manifestações de sábado. Já das alternativas, não sabemos bem. E, contra essas, não haverá conversa que nos salve.
Cabe a Passos Coelho ponderar as consequências das medidas que propõe, mostrando que, ao contrário do que infantilmente diz, a opinião pública é importante. Isso passa por deixar cair o aumento da taxa social única para os trabalhadores e abrir-se às alternativas que existem. Cabe à opinião pública ponderar as consequências dos seus protestos, mostrando que não deseja o vazio e o caos.
A opinião pública pode salvar o Governo de um erro crasso. Salvar-se-á a opinião pública também de si mesma?
Pedro Lomba
Público de 18-09-2012

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