terça-feira, 18 de setembro de 2012

Os remédios do poder contra o vírus da revolta

O primeiro antídoto administrado para combater o vírus da revolta foi uma vacina semântica: a rejeição que a população deu nas manifestações de sábado às medidas de austeridade está a ser transformada numa plácida "incompreensão".
A tese é esta: o milhão de pessoas que saiu à rua "não compreende" as medidas de Passos Coelho, em especial as alterações à taxa social única. Porquê? Porque o primeiro-ministro e o ministro das Finanças não as explicaram bem; porque Passos Coelho deixou-se fotografar a cantarolar, feliz, a Nini de Paulo de Carvalho; porque ninguém percebe o objetivo de uma medida que tira dinheiro aos trabalhadores para o dar ao patronato.
A verdade é outra. Depois de um primeiro ano de fortes sacrifícios, aceites pelo povo, Passos falhou em todos os seus objetivos - a começar no acerto ao seu (e da troika) alvo principal, a redução real do défice.
Para emendar a mão, o Governo quis tornar permanente uma baixa salarial, no sector privado, equivalente a mais de um salário mensal e insistiu em tirar dois salários à função pública. Toda a gente compreendeu isto muito bem.
A troika, para salvar o seu memorando, foi complacente e deu nota positiva ao Governo, apesar do desastre na execução desse malfadado plano, que falha com estrondo onde quer que se aplique. Os portugueses, que compreenderam mesmo tudo, revelaram-se afinal mais rigorosos do que a troika e fizeram o que se impunha: para já, chumbaram, por incompetência, Passos Coelho, porque nem as suas próprias metas conseguiu atingir, apesar de ter contado muito tempo com o apoio do povo para o fazer.
Mas há mais. Os portugueses sentem-se traídos. Traídos pelos Governos de Sócrates (e seus antecessores), que levaram o Estado à penúria; traídos por Passos Coelho pelo falhanço na redução do défice e pela exigência de um empobrecimento brutal sem horizonte que não seja o de novo falhanço.
O segundo remédio para o vírus da revolta é o antibiótico palaciano: Portas a descartar-se, Seguro a fingir que com ele seria diferente, Cavaco a convocar conselheiros e parceiros sociais. Está em marcha a recomposição do poder, com as alternativas do costume.
E, se tudo falhar para esta classe dirigente, está aí o anestésico da revolta: um "governo de salvação nacional", um executivo de tecnocratas que concretizará coisas como esta: tornar legal e proceder ao despedimento de cem ou 200 mil funcionários públicos - a solução final para a crise, que todos estes senhores sussurram e que arruinará de vez milhares e milhares de famílias... Não acredita? Aposta?
PEDRO TADEU
Diário de Notícias de 18-09-2012

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