quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Organização Judiciária


Digam-me qual é o sistema que aguenta tantas reformas, tantas alterações, sem se dar tempo a que as leis respirem, repousem, se acomodem e consolidem.
Os governos de José Sócrates falharam com o País, com o Povo e com a Justiça. Na Justiça a tragédia foi completa. Legislou-se em excesso, de forma errada, com leis mal pensadas e pior executadas. Com reformas das leis criminais, a reboque de casos concretos e com uma crispação e um confronto contra os juízes de que não há memória. A única reforma que valeu a pena foi a do novo modelo de organização judiciária, que, apesar de só ter sido implementado em três grandes comarcas, ia no bom caminho. Os constrangimentos orçamentais impediram a sua completa implementação por todo o território nacional.
Este novo modelo de gestão e de reorganização do mapa judiciário merecia continuidade, alterando ou rectificando o que fosse de aperfeiçoar. Nunca uma radical mudança de génese, de orientação e de rumo estratégico, como, agora, é proposto pelo actual governo. Gastaram-se milhões de euros em estudos, em redes informáticas e em sistemas que, agora, vão ser deitados para o caixote do lixo.
Digam-me qual é o sistema que aguenta tantas reformas, tantas alterações, sem se dar tempo a que as leis respirem, repousem, se acomodem e consolidem.
É corrente definir um Estado como "um Governo, um Povo, um Território". É pacífica a forma democrática de Governo e o Povo, apesar de algumas questões de coesão social. Mas já não é pacífico o modo de organização do nosso Território.
O novo modelo do mapa judiciário tem implicações directas nas questões do ordenamento do território. Apesar do território nacional estar retalhado em mapas diversos, com disfunções graves provocadas pela chamada "litoralização do País", ninguém pode continuar a fomentar políticas que aumentem, cada vez mais, a desertificação do interior. A grande malha da população está concentrada sobre o litoral, daí que o sistema judicial tenha um papel decisivo na criação de novas centralidades e na proximidade da democracia.
Abandonar o interior do País, deixando as populações sem os serviços da governação, onde se encontram os tribunais, não é o caminho.
A verdadeira causa da redefinição do mapa judiciário não está, apenas, no desajustamento do volume processual. Está também num adequado ordenamento do território e no não abandono das populações. A proximidade da Justiça é outro decisivo elemento a ter em conta na vida das pessoas e na qualidade da democracia.
Se estes elementos não forem considerados, com bom senso e proporcionalidade, a Justiça e a equidade de nada valem. O argumento economicista não é o único válido, sob pena de passarmos a ter uma Justiça só para ricos.
Rui Rangel
Correio da Manhã de 02-02-2012

Sem comentários: