Dezenas de magistrados acorreram à sessão de abertura do ano judicial, desta vez sem porto de honra. O cardeal patriarca até esteve presente, mas nem assim as grandes figuras do Estado e da justiça tentaram armar-se em santas ou se esqueceram das pequenas guerras. A cerimónia de abertura do ano judicial pode ser solene, mas ódio de estimação que é ódio de estimação nunca se esquece. E nada como ter dez, 15 ou 30 minutos de tempo de antena para repetir os discursos do costume e atacar os mesmos de sempre.
Ontem no Supremo Tribunal de Justiça nada de novo. Uns disseram que vai tudo de vento em popa na justiça, outros vieram dizer que não há ventos que safem esta justiça. Deve ter sido por isso que D. José Policarpo passou a sessão a abrir a boca – de sono, porque de todos os presentes na mesa foi o único que não teve direito a abri-la para falar.
Paula Teixeira da Cruz precisou de muita água para ler o seu discurso de 25 páginas, que não foi mais que um resumo do programa do governo. Marinho Pinto disparou em todas as direcções, sobretudo na da ministra da Justiça, mas isso também não foi novidade.
Nestas coisas dos discursos também há sempre quem resolva elogiar algum dos presentes. Noronha Nascimento criticou as medidas do governo, mas fez elogios à ministra, antes de citar Camilo Castelo Branco, Locke, Rousseau ou revistas italianas. O procurador-geral da República, Pinto Monteiro, que é beirão, fez vénias e salamaleques ao Presidente da República e leu um discurso a sibilar os esses onde criticou o sistema.
Depois há casos como o de Marinho Pinto, que tentam enganar os menos perspicazes. No final do discurso, o bastonário fez questão de “dirigir uma palavra de despedida ao senhor PGR” por acreditar ser “a última vez” que Pinto Monteiro participou na cerimónia. Pela primeira vez na sessão solene, os convidados – muitos com as togas a disfarçarem as barrigas fartas – agitaram-se nas cadeiras e cochicharam. De seguida, Marinho Pinto abriu todo um capítulo elogioso ao PGR, “magistrado que ao longo de mais de 40 anos de carreira honrou a justiça e os tribunais”, apesar de ter dito, em Agosto de 2010, que “o PGR não manda nada”. No final, para que não restassem dúvidas, Marinho Pinto rematou: “Com a sua jubilação, a justiça portuguesa fica mais pobre.” Pinto Monteiro respondeu com um olhar grato.
A esta altura do campeonato, um conselheiro jubilado já dormia, instalado numa das oito cadeiras reservadas aos jornalistas. Fechou os olhos e só voltou a abri-los no final da sessão. No início da cerimónia solene, o chefe de gabinete do anfitrião – Noronha Nascimento, presidente do Supremo Tribunal de Justiça – viu-se à rasca para disciplinar os convidados e conseguir que se sentassem e fizessem silêncio para dar início aos discursos. Pelo menos o conselheiro jubilado não precisou de grandes avisos.
No entanto, na abertura do ano judicial deste ano nem tudo foi igual. Em 2011 houve croquetes, espetadas de fruta e vinho do Porto para todos os presentes. Este ano, apesar de a troika não ter sido convidada, não houve comes e bebes. Nem garrafinhas de água para os jornalistas, a quem foi sugerido que bebessem água da torneira da casa de banho. Para os portugueses mais cépticos, é a prova provada de que a austeridade também chegou às altas instâncias da justiça.
Rosa Ramos
i-online de 01-02-2012
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