quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

A abertura do ano judicial


O presente texto está ao correr das imagens de televisão relativas à sessão solene de abertura do ano judicial. Dei por mim a tentar encontrar a razão de ser desta cerimónia!
Diz-nos a história do Supremo Tribunal de Justiça que, no âmbito das instituições anteriores, era celebrada a cerimónia anual da Festa da Justiça, que se organizava na Casa da Suplicação.
Sob a influência do direito romano o Supremo Tribunal do Reino, antes Cúria do Rei, Tribunal da Corte ou Tribunal da Casa do Rei, passou a ser designado por Casa da Suplicação.
A Casa da Suplicação começou por funcionar na Ribeira e em 7 de janeiro de 1584 foi transferida para o Limoeiro. Na sequência do terramoto de 1755 a Casa passou a funcionar no palácio de D. Antão de Almada.
O texto constitucional de 1822 consagrou o princípio da separação de poderes e conferiu, em exclusivo, aos juízes o exercício do poder judicial.
Foi neste contexto que o Supremo Tribunal de Justiça passou a ser a cúpula da nova organização judiciária.
A Carta Constitucional de 1826 reconheceu a independência do poder judicial, conferindo o seu exercício e cargo a juízes como perpétuo e inamovível.
Em Setembro de 1833, o Supremo Tribunal de Justiça instalava- se em Lisboa, na Praça do Comércio. Nessa data histórica, a população era convidada a entrar no edifício e assistir à tomada de posse dos primeiros conselheiros nomeados pelo rei ( ao tempo D. Pedro IV).
A Constituição de 1911 confirmou a independência do poder judicial, sendo este constituído pelo Supremo Tribunal de Justiça e pelos tribunais de primeira e segundainstância como órgãos de soberania.
A Constituição de 1933 reafirmou que os tribunais constituem órgãos de soberania e considerou o Supremo Tribunal de Justiça um tribunal ordinário composto por juízes vitalícios, inamovíveis e irresponsáveis.
Naactual organização judiciária, o Supremo Tribunal de Justiça é o órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional.
Nos termos da Lei 105/ 2003, de 10 de Dezembro – quarta alteração da Lei 3/ 99, de 13 de Janeiro – Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais – , o n. º 2 do artigo 11. º dispõe expressamente que “A abertura do ano judicial é assinalada pela realização de uma sessão solene, onde usam da palavra, de pleno direito, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o Procurador- Geral da Republica e o bastonário da Ordem dos Advogados.”
Em resumo, a Festa da Justiça, inicialmente realizada anualmente na Casa da Suplicação, depois, em 1833, através da participação da população na tomada de posse dos primeiros conselheiros do STJ, era realizada para comemorar e exaltar a Justiça e a independência do poder judicial.
Eram tempos em que a independência do poder judicial era considerado como “um bem” que devia ser preservado e salvaguardado, tendo sobretudo em conta os próprios antecedentes históricos do poder de julgar.
Continua, hoje, como acima se refere, a ser realizada a sessão solene de abertura do ano judicial. Trata- se de umacerimónia que julgo ter os seus antecedentes e fundamentos históricos na Festa da Justiça e nos motivos que a justificavam.
Porém, ao escutarmos as intervenções nela produzidas fica- nos uma sensação muito pouco consentânea com a festa e a celebração, o que nos leva a questionar o objectivo actual desta sessão.
Não corresponde nem, sobretudo, responde aos graves problemas da Justiça. Disso estou certa! Anúncios, críticas, teorias sobre conceitos, recomendações, suspeições, foi tudo o que o cidadão viu e ouviu na sessão solene.
Desta e doutras sessões que todos os anos se realizam resulta pouco mais do que comentários, análises, mesas redondas, opiniões… ou seja, nem festa nem contributos para a Reforma!
Ora, se não é uma Festa e se dela não resultam contributos efectivos para a Justiça, naturalmente que nos questionamos sobre os motivos principalmente determinantes desta sessão!
Está, pois, na altura de repensar o modelo e, sugiro, acabar com a formalidade!
Opinião de Maria Celeste Cardona
Diário de Notícias de 02-12-2012

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