19/02/2013 - 10:40
A reunião do Conselho Superior do Ministério Público em que vai
ser decidida a sucessão de Cândida Almeida está marcada para 28 de Fevereiro.
O
afastamento de Cândida Almeida de directora do Departamento Central de
Investigação e Acção Penal (DCIAP), decidida pela procuradora-geral da
República Joana Marques Vidal, vai causar alguma perturbação que poderá ser
ainda maior pela acção disciplinar de que a responsável é objecto, considera o
professor Boaventura Sousa Santos, presidente do Observatório Permanente da
Justiça.
“O país não precisava neste momento de mais um elemento de
perturbação”, disse ao PÚBLICO o académico que vê Cândida Almeida como “uma
procuradora de alta qualidade”, num cargo para o qual é preciso "alguma
coragem política” e numa função que “pela sua própria natureza tende a ser
controversa”. A reunião do Conselho Superior do Ministério Público em que
vai ser decidida a sucessão de Cândida Almeida está marcada para 28 de
Fevereiro.
“Cândida Almeida assumiu nos últimos anos alguns dos processos
mais complexos por que o sistema judicial português tem passado. Uma alteração
deste tipo vai naturalmente causar alguma perturbação nos processos”,
considerou o académico. “São processos que envolvem pessoas e temas que dizem
respeito à qualidade da democracia e à própria natureza do Estado em que
vivemos. Pessoas com um papel importante na condução dos processos políticos em
Portugal.”
Cândida Almeida dirige há 12 anos o DCIAP, departamento do
Ministério Público que investiga a criminalidade violenta, altamente organizada
ou de especial complexidade e que neste momento investiga casos sensíveis como
vários inquéritos por suspeitas de branqueamento de capitais que envolvem altas
figuras do Estado angolano, duas megafraudes fiscais (o caso Monte Branco e a
operação Furacão), vários processos sobre a bancarrota do Banco Português de
Negócios e uma investigação às privatizações da EDP e da REN.
Neste momento difícil por que atravessa a sociedade
portuguesa “é preciso que os sistema judiciário e o sistema de investigação criminal
estejam estáveis e dêem confiança aos cidadãos de que as condutas criminosas –
das quais resultam danos para o bem-estar" serão objecto de processos num
sistema a funcionar regularmente, acentuou Boaventura Sousa Santos. E sublinhou
que, neste caso concreto, “a perturbação pode ser ainda maior” pelo facto de
Cândida Almeida, além de não ser reconduzida no cargo, ser objecto de um
processo disciplinar.
O professor faz um paralelo com situação noutros países,
como em Espanha com o juiz Baltasar Garzón em que “aquele que procura trazer às
malhas da justiça actores sociais e políticos acaba ele próprio por ser vítima
de uma acção” que, no caso de Cândida Almeida, é apenas uma acção disciplinar,
nota o presidente do observatório sedeado no Centro de Estudos Sociais da
Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.
Não conhecendo em detalhe as razões do afastamento da directora
do DCIAP, Boaventura Sousa Santos não se pronuncia sobre a eventual
natureza política da decisão da nova Procuradora-Geral da República Joana
Marques Vidal mas diz: “Objectivamente tem consequências políticas” tanto mais
que com neste caso não se trata apenas de o trabalho de “altos funcionários que
representam a cúpula do sistema criminal em Portugal” não merecerem “a
aprovação das autoridades superiores”. Com a acção disciplinar é dado “um sinal
de deslegitimar, de pôr em causa o trabalho que foi feito até agora”.
Sousa Santos diz não ter nenhuma ideia de quem poderá
substituir Cândida Almeida. "Tenho a impressão de que vamos assistir
a mais uma surpresa", diz o investigador, qualificando a própria
nomeação de Joana Marques Vidal de "uma surpresa para muitos
portugueses".
E acrescenta: "Se a nova pessoa que ficar à frente do
departamento conseguir mais celeridade [na investigação dos processos], isso
será bom para o país. (...) Temo que talvez isso não se consiga", diz o
investigador quando solicitado a comentar críticas ao desempenho das
funções de Cândida Almeida. Ao mesmo
tempo, refere "dificuldades" que levam a atrasos cuja responsabilidade
só "em certa medida" pode ser atribuída à responsável máxima.
"Não depende de uma pessoa só, depende de todo um processo de
investigação" que envolve "equipas técnicas complexas" e
"onde por vezes há ramificações internacionais". "Tudo isto pode
contribuir para o atraso", conclui.
O PÚBLICO tentou contactar Cândida Almeida sem
sucesso.
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