terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Sociedade e economia: divórcio em visão carnavalesca

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Por António Cluny, publicado em 19 Fev 2013 - 03:00 | Actualizado há 13 horas 53 minutos
Foi bizarro observar, nas mais formais repartições, os funcionários mais responsáveis e circunspectos “perderem o respeitinho” envergando narizes de palhaço
Carnaval de Sesimbra1. O Carnaval tapa e destapa muitas realidades óbvias e, pelo ridículo, desvenda aquilo que por vezes teimamos em não querer ver.
Este ano foi curioso constatar como, inusitadamente, muitos funcionários públicos apareceram mascarados no seu local de trabalho na terça-feira de Carnaval.
Foi bizarro observar, nas mais formais repartições, incluindo nalguns tribunais, os funcionários mais responsáveis e circunspectos “perderem o respeitinho”, envergando narizes de palhaço ou óculos e chapéus ridículos, quais foliões, libertos, por isso, do aprumo que sempre consideraram imprescindível ao desempenho das suas funções.
Em simultâneo, a “banca privada” – a mesma que tem sido salva com os impostos e os dinheiros públicos – decidiu fazer feriado, mostrando assim ostensivamente não se querer solidarizar com esforços exigidos à generalidade dos cidadãos.
Parece não haver relação alguma entre uma coisa e a outra, mas não podemos deixar de ligar este facto ao finca-pé, quase ofendido, dos muitos cidadãos que rejeitam hoje as “facturas obrigatórias” nas pequenas transacções que têm de efectuar.
À primeira vista essa atitude parece pouco racional. Será assim? Não pensarão porventura muitos cidadãos que, se os seus impostos, e os dos pequenos comerciantes, não servem afinal para pagar os serviços públicos de que todos necessitam – e que, pese o aumento brutal da tributação, estão a ser cortados ou reduzidos – nada justifica que sirvam para salvar ou consolidar os interesses de uma “economia” que gira à margem das suas vidas e das suas necessidades?
No fundo, é como se a vida dos cidadãos se começasse a separar paulatina, mas definitivamente, da “economia”; é como se a sociedade e esta “economia” se tivessem divorciado.
2. Esta nova «economia» – que alguns gurus tanto veneram – desenvolve-se, de facto, numa lógica própria e auto-justificativa, mas à margem da sociedade e das necessidades reais dos homens e das mulheres que a servem, mas que ela não serve. Por isso, muitos cidadãos começam hoje a descobrir que esta “economia” já lhes não diz respeito, que dela já nada podem esperar e que de nada vale com ela colaborarem.
A ruptura revela-se, por enquanto, essencialmente no plano da pura consciência individual, e não ainda por razões ou atitudes socialmente estruturadas e solidárias, mais ou menos radicalizadas.
Uma outra atitude exigiria, isso sim, que aos cidadãos fossem apresentadas propostas capazes de os convocar para soluções sérias, que eles pudessem abraçar colectivamente, reinventando assim o compromisso solidário que, sobretudo em ocasiões de crise, une até interesses diferentes (mesmo os mais contraditórios) num projecto nacional.
A democracia não vive, todos sabemos, sem propostas e alternativas, mas elas – qualquer que seja o seu sentido – para serem mobilizadoras, têm de ser e aparecer como credíveis e realistas aos olhos da maioria.
Deixar, por sectarismos vários, calculismos cínicos, conformismo, ou definhamento ideológico, aprofundar o individualismo e o desespero de muitos, continuando a permitir, aqui e agora, o triunfo do egoísmo mesquinho e radical dos interesses mais poderosos, pode conduzir apenas a uma catástrofe social de dimensões inconcebíveis.
De quem será então a culpa?
Teses e tratados interessantíssimos serão, depois, escritos a esse propósito.
Jurista e presidente da MEDEL

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