ABEL
COSTA FERNANDES'
A propósito da constitucionalidade do Orçamento para 2013, ouço comentários com os quais não posso concordar do ponto de vista técnico, que não jurídico, dada a minha condição profissional. Mas penso que a boa interpretação jurídica desta questão não se pode realizar sem o prévio conhecimento dos valores e princípios que as Constituições acolhem como direitos fundamentais dos cidadãos e deveres dos Estados. Atropelados pelas conveniências, sinto que os bons valores republicanos passam hoje por um mau momento.
Um deles acusa-o de confiscar em matéria de IRS devido às elevadas taxas marginais nos escalões de rendimento mais altos. Levando-se já em conta a sobretaxa e a taxa extraordinária de solidariedade, estamos a falar numa taxa marginal máxima de 56.5%. Penso que não há um limite constitucional para a carga fiscal que o Estado pode lançar, nem deveria haver por razões de prudência; o que se pode, e deve, é discutir a equidade da sua repartição e a utilidade social das despesas que financia.
Nos Estados Unidos, onde se não discute a Constituição e se respeita o poder do Supremo Tribunal, entre 1932 e 1981 as taxas marginais chegaram aos 91%, mesmo em tempos de paz. Agora, a mais alta é de 39,6% para matérias coletáveis acima de 400 000 dólares, qualquer coisa como 306 600 euros.
A recente deliberação do Conselho Constitucional francês que inviabilizou a taxa de 75% a aplicar naquele país confirma isto mesmo porque a fundamentação da rejeição não foi o montante, mas a forma da sua aplicação. Sendo o casal a unidade de tributação, um dos princípios de realização da equidade fiscal impõe que casais com a mesma capacidade para pagar suportem o mesmo montante de imposto. Este princípio é distinto do que estava implícito na proposta do Governo, ou seja, que o imposto a suportar por alguém deve ser superior ao devido por várias pessoas que, no conjunto, tenham um rendimento igual à daquele. Curiosamente, esse procedimento tributário era contornável com prejuízo da receita fiscal e, ironicamente, a deliberação do Conselho Constitucional pode levar à melhoria da sua eficácia contributiva, após o Governo reformular a proposta no respeito pela norma jurídica.
Contrariamente ao que também se pretende inculcar na opinião pública, aquelas taxas aplicam-se apenas às parcelas dos respetivos escalões e não à totalidade do rendimento coletável. Claro que se pode argumentar que à medida que o rendimento aumenta, a taxa média do imposto tende para o valor da taxa marginal mais alta. Contudo, também contrariamente à ideia que alguns comentadores pretendem passar, o IRS tributa os rendimentos das pessoas singulares independentemente da sua fonte, e não só os do trabalho. Os rendimentos de capitais são tributados em sede de IRS a uma taxa liberatória de 28%. Tendo em conta que o peso relativo da parcela dos rendimentos de capitais tende a aumentar com o rendimento, acima de determinados valores eles predominam sobre os do trabalho e a taxa média não tende para os ditos 56,5% mas para 28%. Quando assim acontece, o regime tributário é, na verdade, regressivo.
São bem conhecidas as várias razões pelas quais o capital é, por via de regra, tributado a taxas inferiores às que incidem sobre os rendimentos do trabalho (Fernandes, A.; A Economia das Finanças Públicas, Almedina, 2010), mas daí não decorre que elas tenham que ser constantes. É por este motivo, e possivelmente por outros, que se discute, e deve discutir, que a equidade seja fatalmente cumprida por um sistema fiscal formalmente progressivo. É importante a este respeito não sofrer de miopia fiscal, ignorando coisas importantes, entre elas a necessidade de atender a valores efetivos e não tanto aos formais consagrados pelas tabelas fiscais, assim como à própria repercussão dos impostos que faz com que a sua incidência económica seja, por norma, diferente da legal.
Um outro argumento de inconstitucionalidade é o de que a partir do último escalão o regime fiscal deixa de ser progressivo para passar a proporcional dada a constância da taxa de imposto a partir daí. Ora, é uma fatalidade que a taxa marginal de imposto se torne constante a partir de um certo valor e que por razões económicas, e eventualmente jurídicas, esse valor seja inferior a 100%. Portanto, há aqui alguma confusão quanto ao que define um regime como progressivo ou não. De resto, um regime formalmente proporcional pode ser efetivamente progressivo. De um ponto de vista técnico, o IRS para 2013 concretiza um sistema progressivo tanto quanto os dos anos anteriores. Felizmente a progressividade é quantificável. Portanto, não é a sua natureza que se deve contestar, mas a distribuição da progressividade ao longo da escala de rendimentos, e entre indivíduos consoante o setor onde trabalham, ou da sua condição enquanto trabalhadores ou pensionistas.
Espero que o futuro nos traga debates mais escorreitos e avisados nestas matérias, porque é disso que necessitamos.
A propósito da constitucionalidade do Orçamento para 2013, ouço comentários com os quais não posso concordar do ponto de vista técnico, que não jurídico, dada a minha condição profissional. Mas penso que a boa interpretação jurídica desta questão não se pode realizar sem o prévio conhecimento dos valores e princípios que as Constituições acolhem como direitos fundamentais dos cidadãos e deveres dos Estados. Atropelados pelas conveniências, sinto que os bons valores republicanos passam hoje por um mau momento.
Um deles acusa-o de confiscar em matéria de IRS devido às elevadas taxas marginais nos escalões de rendimento mais altos. Levando-se já em conta a sobretaxa e a taxa extraordinária de solidariedade, estamos a falar numa taxa marginal máxima de 56.5%. Penso que não há um limite constitucional para a carga fiscal que o Estado pode lançar, nem deveria haver por razões de prudência; o que se pode, e deve, é discutir a equidade da sua repartição e a utilidade social das despesas que financia.
Nos Estados Unidos, onde se não discute a Constituição e se respeita o poder do Supremo Tribunal, entre 1932 e 1981 as taxas marginais chegaram aos 91%, mesmo em tempos de paz. Agora, a mais alta é de 39,6% para matérias coletáveis acima de 400 000 dólares, qualquer coisa como 306 600 euros.
A recente deliberação do Conselho Constitucional francês que inviabilizou a taxa de 75% a aplicar naquele país confirma isto mesmo porque a fundamentação da rejeição não foi o montante, mas a forma da sua aplicação. Sendo o casal a unidade de tributação, um dos princípios de realização da equidade fiscal impõe que casais com a mesma capacidade para pagar suportem o mesmo montante de imposto. Este princípio é distinto do que estava implícito na proposta do Governo, ou seja, que o imposto a suportar por alguém deve ser superior ao devido por várias pessoas que, no conjunto, tenham um rendimento igual à daquele. Curiosamente, esse procedimento tributário era contornável com prejuízo da receita fiscal e, ironicamente, a deliberação do Conselho Constitucional pode levar à melhoria da sua eficácia contributiva, após o Governo reformular a proposta no respeito pela norma jurídica.
Contrariamente ao que também se pretende inculcar na opinião pública, aquelas taxas aplicam-se apenas às parcelas dos respetivos escalões e não à totalidade do rendimento coletável. Claro que se pode argumentar que à medida que o rendimento aumenta, a taxa média do imposto tende para o valor da taxa marginal mais alta. Contudo, também contrariamente à ideia que alguns comentadores pretendem passar, o IRS tributa os rendimentos das pessoas singulares independentemente da sua fonte, e não só os do trabalho. Os rendimentos de capitais são tributados em sede de IRS a uma taxa liberatória de 28%. Tendo em conta que o peso relativo da parcela dos rendimentos de capitais tende a aumentar com o rendimento, acima de determinados valores eles predominam sobre os do trabalho e a taxa média não tende para os ditos 56,5% mas para 28%. Quando assim acontece, o regime tributário é, na verdade, regressivo.
São bem conhecidas as várias razões pelas quais o capital é, por via de regra, tributado a taxas inferiores às que incidem sobre os rendimentos do trabalho (Fernandes, A.; A Economia das Finanças Públicas, Almedina, 2010), mas daí não decorre que elas tenham que ser constantes. É por este motivo, e possivelmente por outros, que se discute, e deve discutir, que a equidade seja fatalmente cumprida por um sistema fiscal formalmente progressivo. É importante a este respeito não sofrer de miopia fiscal, ignorando coisas importantes, entre elas a necessidade de atender a valores efetivos e não tanto aos formais consagrados pelas tabelas fiscais, assim como à própria repercussão dos impostos que faz com que a sua incidência económica seja, por norma, diferente da legal.
Um outro argumento de inconstitucionalidade é o de que a partir do último escalão o regime fiscal deixa de ser progressivo para passar a proporcional dada a constância da taxa de imposto a partir daí. Ora, é uma fatalidade que a taxa marginal de imposto se torne constante a partir de um certo valor e que por razões económicas, e eventualmente jurídicas, esse valor seja inferior a 100%. Portanto, há aqui alguma confusão quanto ao que define um regime como progressivo ou não. De resto, um regime formalmente proporcional pode ser efetivamente progressivo. De um ponto de vista técnico, o IRS para 2013 concretiza um sistema progressivo tanto quanto os dos anos anteriores. Felizmente a progressividade é quantificável. Portanto, não é a sua natureza que se deve contestar, mas a distribuição da progressividade ao longo da escala de rendimentos, e entre indivíduos consoante o setor onde trabalham, ou da sua condição enquanto trabalhadores ou pensionistas.
Espero que o futuro nos traga debates mais escorreitos e avisados nestas matérias, porque é disso que necessitamos.
Jornal
de Notícias, 15-01-2013
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