Pouco mais de um ano de governação à
direita foi suficiente para os responsáveis da Administração Interna e da
Justiça evidenciarem a vertente autoritária do Estado.
A direita não
está pelos "ajustes" e a austeridade é para cumprir "custe o que
custar", ainda que isso signifique a destruição social e económica do
país.
O país dos
brandos costumes deu lugar ao país da indignação. O povo sereno deu lugar ao
povo insubmisso. As manifestações multiplicam-se e dão expressão ao legítimo
descontentamento popular.
O
"austoritarismo" foi elevado a valor absoluto e é em nome dele que
deve ser imposta a lei e a ordem. Os acontecimentos no dia da última greve
geral foram elucidativos desta mudança de paradigma.
Ainda
recentemente, de dedo em riste e de forma populista, a atual ministra da
Justiça decretava o fim do tempo da impunidade e dos expedientes processuais
dilatórios.
Ao analisar a
reforma aos Códigos Penal e de Processo Penal proposta pelo Governo rapidamente
percebemos que o "leitmotiv" da referida reforma é a resposta às
manchetes dos jornais e aos casos mais mediáticos. Fazer uma reforma penal
motivada pelos casos "Isaltino Morais", pelos pequenos furtos nos
hipermercados ou pelas manifestações de massas na rua revela, por um lado, a
incapacidade de perceção das verdadeiras insuficiências do sistema judicial e,
por outro, a demagogia de quem pretende "encher o olho" ao
eleitorado.
Na senda do
memorando, o Governo tem reduzido fortemente o investimento na já
historicamente deficitária área da Justiça. A ministra gaba-se de ter poupado
cerca de 600 milhões de euros no cancelamento da construção de novos tribunais,
entre eles, o Campus da Justiça do Porto. Há muito que a capacidade de resposta
do sistema judicial é claramente insuficiente, mas o Governo avança pelo
caminho mais fácil das alterações legislativas que ficam no papel e que, na
prática, nada resolvem.
No entanto, a
ideologia do "austoritarismo" faz caminho e o dinheiro que não chega
para a construção dos novos tribunais, sobra para requalificar e aumentar os
estabelecimentos prisionais. Aliás, não será por acaso que uma das propostas de
alteração do Governo ao Código Penal é a prevista no artigo 347º relativa à
fixação do limite mínimo da pena de prisão em um ano no caso de crimes de
resistência e coação sobre membro das forças militarizadas ou de segurança. É
que a pena de prisão superior a um ano não é substituível por pena de multa ou
por outra pena não privativa de liberdade.
Assim, para
acabar com a impunidade, não há nada como uma pesada moldura penal e uma ampla
disponibilidade prisional para refrear os ânimos das manifestações mais
exuberantes. E para acabar com os expedientes dilatórios, não há nada como
coartar o direito de assistência judiciária dos advogados aos detidos nas
manifestações.
Vivemos tempos
perigosos para a democracia e às manifestações nas ruas o Governo vai,
paulatina e sub-repticiamente, respondendo com manifestações de um Estado
policial e justiceiro que importa impedir e denunciar publicamente.
Eliseu Pinto Lopes
A Voz de Ermesinde, 24-11-2012
Sem comentários:
Enviar um comentário