“Regra ainda é: como vamos fazer para agressor não
ir para a cadeia”
Violência doméstica.
Primeira juíza a prender por agressões em casa critica sistema. Este ano já
houve 33 mortes
PEDRO SOUSA TAVARES
No dia em que se soube
que já morreram, este ano, 33 mulheres vítimas de violência doméstica, Joana
Salinas, a primeira juíza em Portugal a condenar um homem a pena de prisão por
maus tratos à mulher e filhos, não hesita em criticar os magistrados que evitam
prender os agressores.
Uma ideia também
defendida, ontem, pela secretária de Estado da Igualdade, Teresa Morais, que
considerou “pouco”o número de processos por violência doméstica que culminam em
penas de prisão efetiva, sugerindo “uma maior sensibilização dos magistrados”
para a gravidade do crime.
Em declarações ao DN,
Joana Salinas, atualmente desembargadora na área dos processos cíveis da
Relação do Porto, lembra o “grande passo” dado em 2001, quando a violência
doméstica passou a ser considerada um crime público, de investigação
obrigatória. Logo nesse ano, num julgamento de primeira instância no Tribunal
de Matosinhos, ajuíza condenou um homem a quatro anos de prisão efetiva por
maus tratos à mulher e aos filhos, escrevendo uma nova página na justiça em
Portugal.
Desde então, mesmo
tendo deixado de julgar estes casos, manteve-se muito próxima do fenómeno. Até
porque é também a presidente das delegações de Matosinhos e do Porto da Cruz
Vermelha Portuguesa onde funciona uma casa-abrigo e um centro de atendimento a
vítimas de violência doméstica. E é nessa qualidade que considera que “a leveza
com que se continua a olhar” para este fenómeno, nomeadamente nos tribunais, em
nada facilita a defesa da integridade das vítimas.
Segundo Joana Salinas,
entre 2001 e 2007 houve uma evolução positiva. “Havia muita gente a cumprir
penas de prisão efetiva, penas fortes que obrigavam ao afastamento da vítima”,
recorda. Entretanto, a moldura penal dos crimes foi reduzida de sete para cinco
anos de prisão o que implicou, entre outras coisas, que os julgamentos
deixassem de ser feitos por um coletivo de três juizes passando a ter apenas
um.
“Além do sinal de
relativização dado pelo legislador”, defende, os restantes ‘atores’ da justiça
também não têm estado à altura das exigências:” O Ministério Público não tem
uma atuação coerente e arquiva [as denúncias] com muita facilidade e no
julgamento as penas são muito leves”, considera.
De resto, diz, apesar
de os indicadores sugerirem que “não se devia evitar a prisão”, sob pena de a
agressão evoluir para crimes mais graves, “hoje em dia, a regra é: como vamos
fazer para [o agressor] não ir para a cadeia”. “Não digo que [os agentes da
Justiça] não tenham a noção do problema”, ressalva, admitindo que este é um
problema que nasce “na legislação” e não é “de forma alguma” um exclusivo
português. “Na Europa, só os países nórdicos estão claramente mais evoluídos”,
frisa.
Sindicato quer mais
formação
Para José Mouraz Lopes,
presidente da Associação Sindical de Juizes (ASJ), é importante sublinhar a
“evolução da perceção da importância da violência doméstica”, sobretudo desde
que esta passou a ser crime público: “Esta realidade era escondida e foi
descoberta e isso teve muita importância.”
No entanto, admite
também, “o caminho tem de ser acelerado. É importante continuarmos a apostar na
formação dos juizes e dos procuradores e também a adaptar as soluções legais
que possam contribuir para que se erradique esse problema”, considera, apesar
de defender que, “antes da repressão penal, deve funcionar a repressão social”
deste crime.
De 389 casos em Lisboa
desde março, 8 deram prisão
DISCREPÂNCIAS Dos quase
390 casos de violência doméstica comunicados pelo Ministério Público (MP) aos
tribunais de Lisboa entre 1 de março e 31 de outubro últimos, só oito
resultaram até ao momento em condenações a penas de prisão efetiva, revelam os
dados publicados no sítio da Internet da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
(PGDL).
Segundo a mesma página,
foram comunicados ao MP 343 casos aos quais acrescem 46 remetidos para
instrução, perfazendo um total de 389 casos. Das situações comunicadas, e de
acordo com a página da PGDL na Internet, até 21 de novembro foram decididos 90
casos em primeira instância nos juízos e varas criminais de Lisboa.
Destes 90,65 casos
foram condenados, 18 absolvidos, num caso o Tribunal da Relação ordenou a
repetição do julgamento cuja sentença tinha sido de absolvição e seis casos
foram decididos noutras circunstâncias.
Das condenações, oito
tiveram penas de prisão efetiva, a mais elevada das quais de 16 anos e a mais
baixa de dois anos e oito meses. De referir que a primeira condenação terá
incluído outros crimes graves, visto a moldura penal para a violência doméstica
não exceder os cinco anos.
Em dois casos foram
ainda aplicadas medidas de segurança de internamento em estabelecimento
apropriado face à inimputabilidade penal do arguido. Dezoito penas de prisão
foram suspensas, acompanhadas de pena acessória. Os restantes casos ainda não
foram concluídos, estando em curso ou a aguardar audiência.
Diário Notícias, 24 Novembro 2012
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