Entrevista
Exclusiva
ABEBE SELASSIE
– chefe da missão do FMI
“Simplesmente reduzir os salários não vai
resultar”
O chefe de
missão do FMI diz que mudanças na TSU não foram uma exigência da troika e avisa
que não há “balas mágicas”
Ana Rita Faria
e Sérgio Aníbal
Para o chefe de
missão do FMI na troika, o etíope Abebe Selassie, a desvalorização fiscal conseguida
com a descida da Taxa Social Única (TSU) paga pelas empresas e o aumento da
contribuição dos trabalhadores é uma forma “criativa” de resolver o problema do
défice e da competitividade. Mas, se o programa for apenas austeridade, a
economia não vai sobreviver, avisa. E foi precisamente pelo receio de uma
“pressão excessiva” sobre a economia que a troika flexibilizou as metas do
défice.
- A quinta
avaliação da troika terminou com o anúncio de mais austeridade. Foi uma
contrapartida da flexibilização das metas do défice?
- Não, de forma
alguma. Houve várias medidas orçamentais discutidas no âmbito do Orçamento do
Estado (OE) de 2013. A Taxa Social Única (TSU) foi uma delas. Mas, não, não foi
nenhuma condição para mais nada. Foi uma ideia posta sobre a mesa. Achamos que
é razoável e apoiamo-la.
- Há um ano, o
Governo não quis avançar com a desvalorização fiscal. Agora, decidiu tomá-la.
Isto é um sinal de que as outras medidas estruturais não estão a funcionar?
- Não, de forma
alguma. Em grande parte, esta iniciativa surgiu devido à necessidade de a
economia portuguesa melhorar a sua competitividade. A ideia original era ter
uma desvalorização fiscal reduzindo a TSU e aumentando o IVA. Mas o Governo
precisava das receitas do IVA para cobrir o buraco orçamental. Foi por isso que
decidiu não avançar. Na sequência da decisão do Tribunal Constitucional sobre
os cortes dos subsídios, surgiu a ideia de retomar o corte da TSU. Não tem nada
que ver com a forma como vemos outros aspectos do programa a evoluir. A esse
nível, estamos satisfeitos. Tem havido um sinal muito positivo das reformas do
mercado do produto, foram feitas reformas do mercado laboral. Demora um pouco
de tempo até terem efeitos. Mas é como temos sempre dito: o programa está a ser
implementado.
- Então, para
restaurar a competitividade da economia portuguesa, se o Governo não fizesse
esta redução dos salários, estaria tudo bem para a troika. Ou seja, Portugal
seria na mesma capaz de restaurar a sua competitividade…
- É muito
difícil saber. A questão fundamental para nós é como responder aos desafios que
Portugal enfrenta: competitividade externa e, ao mesmo tempo, o buraco
orçamental. Esta ideia é uma maneira razoável de tentar responder aos dois.
Dados os constrangimentos de políticas existentes, é preciso procurar formas
criativas para tentar resolver o desafio dual que Portugal enfrenta. Esta é uma
das ideias com que o Governo apareceu. Nos últimos dias, reparei no debate que
está a decorrer. Não há nenhuma bala mágica, não há uma única medida que não
tivesse causado também debate e discussão. Se o IRS ou o IRC tivessem sido
aumentados, as pessoas teriam dito: mas porquê o IRS, porquê o IRC? Se fosse o
IVA também se queixariam. Qual seria a alternativa? E não vejo isso no debate.
Qualquer medida que fosse tomada teria também gerado um debate grande.
- Teremos um
corte permanente nos salários do sector privado e do público. Não teme que esta
medida tenha um impacto maior na economia?
- A concepção
original da desvalorização fiscal também tinha subjacente um aumento do IVA.
Alguém teria de pagar por isso também. Há trade-offs. E um aspecto importante
desse tradeoff é que esta medida tem de ser calibrada, para que o impacto sobre
os pobres seja tido em conta.
- No comunicado
sobre a quinta avaliação da troika, dizem que é preciso evitar pressão
excessiva sobre a economia. Mas, no curto prazo, o efeito na economia desta
medida não será negativo?
- Terá vários
efeitos. Terá impacto sobre o rendimento disponível, mas, por outro lado,
deverá melhorar a situação das empresas que estão em dificuldades e deverá
aumentar a procura por emprego. Esperamos que tenha um efeito positivo nas
margens das empresas, o que lhes permitirá fazer mais investimento e contratar
mais. Não quero minimizar o efeito que esta medida terá nos rendimentos
disponíveis. Mas imagino que esta seja uma das medidas mais difíceis que o
Governo já tomou até aqui. E insisto: nesta conjuntura, qualquer outra medida
que tivesse sido tomada teria gerado o mesmo debate.
- Esta medida
irá proporcionar a redução dos salários que a troika sempre defendeu que era
necessária na economia… Falo por mim, pelo menos: sempre disse que era muito
importante ter uma melhoria da produtividade e uma contenção salarial. Mas se
houver apenas austeridade, a economia não vai sobreviver. É imperativo que
tenhamos também reformas que melhorem a produtividade. Boa parte do esforço do
programa é nesse sentido. Resolver o problema da competitividade simplesmente
reduzindo os salários não vai resultar.
- A
justificação do Governo para avançar com a desvalorização fiscal é que irá
criar emprego. Mas a maioria das empresas em Portugal vendem para o mercado
doméstico, que irá sofrer com a contracção da procura interna. Como se pode
esperar um efeito positivo no emprego?
- O que o
Governo está a fazer é reduzir o custo do trabalho para os empregadores, isso
deverá suportar mais emprego.
- Mas não se
tivermos também uma redução da procura…
- Mas isso
aplica-se a todo o tipo de medidas orçamentais. Se o Governo aumentar os
impostos ou reduzir despesas, podemos dizer o mesmo: que reduz a procura
interna. Imaginemos que esta desvalorização fiscal não era feita à custa do
aumento das contribuições dos empregados, mas à custa do aumento do IRS. Também
teria o mesmo efeito.
- Para que serve
então?
- A questão é
que queremos reduzir os desequilíbrios públicos, por isso tomam-se medidas
orçamentais, e queremos que as finanças públicas sejam sustentáveis, de modo a
que o país regresse aos mercados e a economia recupere. Se o Governo deixar de
ser um peso na economia, irá permitir mais poupanças para o sector privado e
mais investimento.
- Mas a medida
tomada é mais ou menos neutra em termos orçamentais. Por isso se questiona: irá
mesmo ter impacto no emprego?
- A nossa
convicção é que sim. É que irá suportar a procura de emprego.
- Esta medida
foi posta em prática em algum outro país?
- Várias formas
de desvalorização fiscal foram postas em prática em outros países. Tipicamente,
o modo como é feita é aumentando o IVA.
- Mas na forma
como foi feita, com aumento das contribuições dos trabalhadores, não têm
nenhuma experiência?
- Algo que já
foi feito foi comparar a TSU praticada em Portugal com a de outros países. Os
níveis estão adequados agora. A contribuição total não é excessiva quando
comparada com os outros países.
- Não estará a
economia portuguesa a ser sujeita a uma experiência económica?
- Não diria
isso. Isto não está fora do mainstream. A dimensão do desafio aqui é
formidável. É preciso coragem, nomeadamente por causa da dimensão da
consolidação que precisa de ser feita para estabilizar a dívida pública. Mas o
que foi decidido é no domínio de políticas económicas muito razoáveis.
- Várias
pessoas temem que, no curto prazo, o que tem importância são os cortes que têm
sido feitos: os já feitos e os novos. Irá acontecer o mesmo que este ano, em
que houve derrapagem no défice por causa da recessão?
- Não se faz um
ajustamento orçamental por que se quer. A razão pela qual é preciso é por causa
dos desequilíbrios perigosos que a economia portuguesa acumulou desde 2001 e
que fizeram com que os mercados deixassem de emprestar a Portugal. A questão é:
estão estes desequilíbrios a ser resolvidos? Sim. O défice externo baixou de
10% para 3% ou menos este ano. E não foi uma correcção decorrente da compressão
das importações. Aconteceu porque o crescimento das exportações foi muito bom.
Preocupar-me-ia muito mais com um cenário em que o défice externo estivesse a
cair apenas porque a procura por importações está a colapsar porque a procura
interna é fraca. Aqui a performance das exportações tem sido forte, apesar dos
ventos contrários fortes da Europa. E como as exportações líquidas são menos
taxadas do que a procura interna, vemos uma queda nas receitas fiscais acima do
esperado. Mas mesmo aí, em termos ajustados, vemos um grande ajustamento
orçamental.
- Na Grécia, a
partir de certa altura, com o acumular de medidas, a população deixou de
aceitar a austeridade, e as eleições mostraram isso. Em Portugal, a reacção a
esta última medida foi muito forte…
- Mesmo em
tempos económicos bons, é difícil implementar um ajustamento orçamental, ainda
mais numa situação em que um em cada três jovens estão desempregados. O
ajustamento é sempre difícil, ainda para mais numa situação como a actual. O
debate sobre onde deve incidir o fardo do ajustamento é compreensível. Desejava
que houvesse uma solução, mas o ajustamento tem de acontecer num período de
tempo razoável. Ainda assim, houve uma revisão das metas do défice. O que
tentámos foi dar mais tempo ao ajustamento orçamental, de modo a evitar tensões
excessivas na economia. As revisões que fazemos são precisamente para esse
propósito. Nós apoiamos o anúncio feito pelo ministro de Finanças de que o
sacrifício do ajustamento seja compartilhado por toda a sociedade de maneira
equilibrada.
- Como reage à
possibilidade de o PS votar contra o Orçamento de Estado?
- O que posso
dizer? A base alargada de consenso social e político é importante. Mas é uma
questão de política doméstica interna.
- Mas que pode
ter um grande impacto no programa… Há um padrão nas intervenções do FMI em
vários países e que se viu na Grécia: o programa foi implementado, as pessoas
começaram a ir para as ruas, os votos começaram a ir para os partidos
anti-troika. Não vê isso a acontecer em Portugal?
- Vemos o
programa a correr bem até ao momento. Portugal ganhou credibilidade crescente
pela forma como o programa foi implementado. As taxas de juro da dívida caíram
de forma acentuada, a perspectiva de regresso aos mercados aumentou. A
maturidade das emissões dos bilhetes de Tesouro tem vindo a ser aumentada. Há
várias forças positivas no que está a acontecer na economia e isso irá permitir
que Portugal siga um caminho diferente.
- Para 2013, a
flexibilização da meta do défice foi grande. Têm medo que 2013 seja um ano
difícil com todos os cortes?
- Se olharmos
para a forma como o ajustamento evoluiu, foi enfrentando fortes ventos
contrários da Europa. As condições em que Portugal fez o ajustamento foram
extremamente negativas. E estes ventos contrários devem continuar em 2013 e ser
um entrave ao crescimento. Mas ainda vemos o PIB a recuperar em meados do
próximo ano. A questão é: o que pode a política orçamental fazer neste
contexto? Como disse antes, o Governo tem de conseguir o equilíbrio entre levar
a cabo o ajustamento orçamental que este país precisa e evitar que exerça uma
pressão excessiva na economia. Foi isso que tivemos em conta para dar mais um
ano para atingir os 4,5%.
Público |
quinta-feira, 13 Setembro 2012
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