quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Capitulação ao monstro


Pedro Braz Teixeira - O governo abdicou de cortar na despesa pública e quer tomar uma medida que vai ficar desactualizada antes de ser aplicada. Ignorando o conselho multissecular de Maquiavel (fazer o mal duma vez e o bem aos poucos) que qualquer pessoa com umas luzes de psicologia subscreve, o governo decidiu anunciar as medidas de austeridade a conta-gotas. Querem maximizar a contestação?
Em relação ao seu conteúdo, é completamente lamentável a quase ausência de medidas concretas de redução estrutural da despesa. Tendo desperdiçado os primeiros meses de governo, agora talvez já fosse demasiado tarde, mas se não é no Orçamento de 2013 que elas são tomadas, isso significa que o governo capitulou em toda a linha perante o monstro da despesa pública. Não é possível continuar a subir impostos indefinidamente e deixar a despesa quase intacta.
A grande medida anunciada, de redução das contribuições patronais, mais do que compensadas por uma subida nas contribuições dos trabalhadores, é um tiro no escuro, um risco brutal que nada recomenda.
Há um brutal desperdício na redução das contribuições patronais porque elas não são focadas apenas no sector transaccionável (agricultura, indústria e turismo). Deveria haver uma forte preocupação de que as empresas do sector não transaccionável (outros serviços) a beneficiar desta medida fossem vigiadas para que reduzissem os preços ao consumidor, mas o primeiro-ministro nem falou sobre isto.
A não neutralidade fiscal da medida (há um aumento líquido das contribuições do sector privado) faz esperar um efeito recessivo significativo, que deverá colocar em causa o esperado efeito de redução de desemprego. Se esta medida poderia criar emprego, dificilmente o fará no momento em que a economia sofre um prolongamento de uma recessão grave, quando ainda não recuperou da recessão de 2009. Terá sido este, aliás, um dos motivos porque o desemprego subiu tanto em 2012 e, por isso, temos de estar muito apreensivos quanto à destruição de emprego no curto prazo.
Para agravar a situação, a zona do euro deverá conhecer uma recessão ligeira em 2012 e uma estagnação em 2013, o que toma esta a pior conjuntura para o governo se lançar em experimentalismos. Para além disso, os maus resultados que o ministro das Finanças tem vindo a apresentar criam sérias dúvidas sobre a sua capacidade de alcançar o que se propõe. Por mim, lamento profundamente dizê-lo, perdi a confiança técnica e política em Vítor Gaspar.
O pior de tudo é que, como prevejo, Portugal deverá sair do euro antes do final do ano. Ou seja, quando estas medidas deveriam entrar em vigor, elas já estariam desactualizadas. Lembremos que estas medidas pretendem ser uma "desvalorização interna", mas quando Portugal sair do euro já terá feito a desvalorização externa, pelo que já não precisa da "interna".
Há quem tenha embandeirado em arco com as últimas decisões do BCE, o que me parece muito estranho. Em primeiro lugar, as medidas de compra de dívida pública pelo BCE são conjunturais e não resolvem os problemas estruturais do euro. Em segundo lugar, não são de aplicação imediata; dependem do pedido de ajuda dos países e temos visto a extraordinária relutância de Espanha em pedir auxílio e sujeitar-se às condições de que este é acompanhado. Em terceiro e decisivo lugar, estas medidas foram aprovadas com a oposição frontal do mais importante elemento do Eurossistema: o Bundesbank. A razão porque o banco central alemão não tomou uma atitude mais drástica dever-se-á ao facto de estas medidas não terem consequências imediatas, até porque estão dependentes da decisão do Tribunal Constitucional alemão sobre os fundos europeus, que deverá ser conhecida só hoje.
Tudo isto me leva a concluir que a decisão do BCE não é um passo para a resolução da crise do euro, mas um avanço no sentido do Grande Divórcio Europeu.
Pedro Braz Teixeira, Investigador do NECEP da Universidade Católica
ionline de 12-09-2012

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