Pedro Braz Teixeira - O governo abdicou de cortar
na despesa pública e quer tomar uma medida que vai ficar desactualizada antes
de ser aplicada. Ignorando o conselho multissecular de Maquiavel (fazer o mal
duma vez e o bem aos poucos) que qualquer pessoa com umas luzes de psicologia
subscreve, o governo decidiu anunciar as medidas de austeridade a conta-gotas.
Querem maximizar a contestação?
Em relação ao seu conteúdo, é completamente
lamentável a quase ausência de medidas concretas de redução estrutural da
despesa. Tendo desperdiçado os primeiros meses de governo, agora talvez já
fosse demasiado tarde, mas se não é no Orçamento de 2013 que elas são tomadas,
isso significa que o governo capitulou em toda a linha perante o monstro da
despesa pública. Não é possível continuar a subir impostos indefinidamente e
deixar a despesa quase intacta.
A grande medida anunciada, de redução das
contribuições patronais, mais do que compensadas por uma subida nas
contribuições dos trabalhadores, é um tiro no escuro, um risco brutal que nada
recomenda.
Há um brutal desperdício na redução das
contribuições patronais porque elas não são focadas apenas no sector
transaccionável (agricultura, indústria e turismo). Deveria haver uma forte
preocupação de que as empresas do sector não transaccionável (outros serviços)
a beneficiar desta medida fossem vigiadas para que reduzissem os preços ao
consumidor, mas o primeiro-ministro nem falou sobre isto.
A não neutralidade fiscal da medida (há um aumento
líquido das contribuições do sector privado) faz esperar um efeito recessivo
significativo, que deverá colocar em causa o esperado efeito de redução de
desemprego. Se esta medida poderia criar emprego, dificilmente o fará no
momento em que a economia sofre um prolongamento de uma recessão grave, quando
ainda não recuperou da recessão de 2009. Terá sido este, aliás, um dos motivos
porque o desemprego subiu tanto em 2012 e, por isso, temos de estar muito apreensivos
quanto à destruição de emprego no curto prazo.
Para agravar a situação, a zona do euro deverá
conhecer uma recessão ligeira em 2012 e uma estagnação em 2013, o que toma esta
a pior conjuntura para o governo se lançar em experimentalismos. Para além
disso, os maus resultados que o ministro das Finanças tem vindo a apresentar
criam sérias dúvidas sobre a sua capacidade de alcançar o que se propõe. Por
mim, lamento profundamente dizê-lo, perdi a confiança técnica e política em
Vítor Gaspar.
O pior de tudo é que, como prevejo, Portugal deverá
sair do euro antes do final do ano. Ou seja, quando estas medidas deveriam
entrar em vigor, elas já estariam desactualizadas. Lembremos que estas medidas
pretendem ser uma "desvalorização interna", mas quando Portugal sair
do euro já terá feito a desvalorização externa, pelo que já não precisa da
"interna".
Há quem tenha embandeirado em arco com as últimas
decisões do BCE, o que me parece muito estranho. Em primeiro lugar, as medidas
de compra de dívida pública pelo BCE são conjunturais e não resolvem os
problemas estruturais do euro. Em segundo lugar, não são de aplicação imediata;
dependem do pedido de ajuda dos países e temos visto a extraordinária
relutância de Espanha em pedir auxílio e sujeitar-se às condições de que este é
acompanhado. Em terceiro e decisivo lugar, estas medidas foram aprovadas com a
oposição frontal do mais importante elemento do Eurossistema: o Bundesbank. A
razão porque o banco central alemão não tomou uma atitude mais drástica
dever-se-á ao facto de estas medidas não terem consequências imediatas, até
porque estão dependentes da decisão do Tribunal Constitucional alemão sobre os
fundos europeus, que deverá ser conhecida só hoje.
Tudo isto me leva a concluir que a decisão do BCE
não é um passo para a resolução da crise do euro, mas um avanço no sentido do
Grande Divórcio Europeu.
Pedro Braz Teixeira, Investigador do NECEP da
Universidade Católica
ionline de 12-09-2012
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