quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Quase uma centena de condenados cumpre pena de cadeia em casa


Dados. Juizes recorrem cada vez mais à pulseira eletrónica, seja como medida de coação ou como forma de cumprir uma pena de prisão. Há 721 pessoas com o aparelho. Apenas 3% dos arguidos infringem regras do sistema    António Ferreira da Silva, engenheiro suspeito de matar a tiro o genro e cujo vídeo do acontecimento circulou na Internet, pode sair de casa durante duas horas para dar uma volta no quintal da casa. A autorização ,foi concedida recentemente pelo Tribunal de Oliveira do Bairro que, há um ano, tinha colocado Ferreira da Silva no regime de “obrigação de permanência na habitação”, vulgarmente designado por prisão domiciliária. Ferreira da Silva, que começou na semana passada a ser julgado, é um dos 263 arguidos em processos-crime a quem, até junho deste ano, os tribunais aplicaram esta medida de coação.    A pulseira eletrónica entrou na moda nos tribunais. A taxa de sucesso é de 97%, o que quer dizer que só 3% dos arguidos neste sistema infringiu as regras.    Para além de poder ser aplicada como medida de coação (que, fruto da mediatização de alguns processos, acaba por ser a modalidade mais conhecida), os juizes podem ainda recorrer à pulseira eletrónica em mais três situações: para o cumprimento de penas efetivas de prisão (se forem inferiores a um ano ou caso seja este o tempo que falta cumprir na cadeia), como medida de acompanhamento da liberdade condicional e, finalmente, para casos de violência doméstica em que seja necessário uma vigilância efetiva à proibição de contactos entre o agressor e a vítima. Ao todo, 721 pessoas estão, atualmente, sob este regime que entrou em vigor em 2002.    Os últimos números da Direção-Geral de Reinserção Social (entidade que coordena e fiscaliza a aplicação do sistema) revelam que, desde 2007, os juizes já condenaram 856 pessoas a cumprir pena de prisão em casa. Atualmente, existem 95 arguidos nesta situação. Uma consulta pela base de dados dos tribunais (www.dgsi.pt) revela que este tipo de pena (que requer o consentimento do arguido) tem sido aplicada muitas vezes em casos de reincidência de condução sob o efeito do álcool.    A partir de 2009, os suspeitos de violência doméstica também podem ficar sob este regime. Até agosto deste ano, 99 arguidos estavam nesta situação. Segundo dados da Direção-Geral dos Serviços Prisionais (DGSP), a maioria das 721 pessoas que se encontra em vigilância eletrónica situa-se na Área Metropolitana de Lisboa (244), seguindo-se o Norte (236), o Centro (119), o Sul (70) e as Regiões Autónomas (42). Com a vigilância eletrónica que obriga à permanência na residência, o Estado poupa uma média, por pessoa, superior a 30 euros.
Juízes sem acesso a base de dados
Segundo a DGSP, tendo em conta valores de 2011, a vigilância eletrónica convencional custa 16,35 euros, quando o custo médio diário por recluso é de 47,81 euros. Das pessoas agora em vigilância eletrónica em Portugal, 500 estão obrigadas aficar em casa, em cumprimento de uma medida de coação.
 CARLOS RODRIGUES LIMA
Apesar da sofisticação da tecnologia e da alta taxa de sucesso deste sistema, juizes e procuradores do Ministério Público continuam sem ter acesso a uma base de dados central que lhes permita saber se um arguido se encontra a cumprir uma medida de obrigação de permanência na habitação numa comarca qualquer ou se infringiu tal situação.    “Ninguém sabe quais as medidas de coação que cada arguido tem em processos diferentes, muito menos quais as violadas”, tinha já alertado, em declarações ao DN, Rui Cardoso, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público. Para colmatar esta lacuna, o Governo está a preparar a introdução nos tribunais de uma aplicação informática que permita aos juizes e procuradores o acesso à informação básica sobre um arguido. Sobretudo se já cometeu crimes noutra comarca, se tem de cumprir uma medida de coação e se, no caso da pulseira eletrónica, já violou essa medida.    Para já, o AGIC (Aplicação de Gestão do Inquérito) está em fase experimental no Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa. Depois desta fase, que terminou em abril, o Governo pretende lançar um cadernos de encargos para um concurso de desenvolvimento deste sistema, de forma a alargá-lo à maioria dos tribunais e departamentos do Ministério Público.    Uma medida aplicada na violência doméstica nova lei A partir de 2009, juizes puderam recorrer ao regime da pulseira aos suspeitos de agressões. Atualmente, 99 arguidos estão nesta situação Quase uma centena de pessoas encontra-se atualmente em prisão domiciliária com pulseira eletrónica, em Portugal, por crimes de violência doméstica, segundo dados oficiais da Direção-Geral de Reinserção Social (DGRI). No total, nesta situação, estão em vigilância eletrónica 99 arguidos, encontrando-se obrigados a ficar em casa e com proibição de contactos.    Segundo dados divulgados este mês pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), a associação recebe uma média de 19 denúncias de violência doméstica por dia, o que aponta para mais de 76 mil casos nos últimos 11 anos. Só no ano passado, a APAV recebeu 591 casos de pedidos de ajuda por violência doméstica.    A aplicação do regime da pulseira eletrónica aos suspeitos de violência doméstica só foi possível após a entrada em vigor da Lei 112 /2009, que deu aos juizes a possibilidade de aplicarem a pulseira eletrónica nestes casos. O que, paulatinamente, tem sido feito, sobretudo como forma de controlar uma outra medida de coação: a proibição de contactos entre o suposto agressor e a vítima. Sendo certo que o regime da vigilância eletrónica também pode ser aplicado como pena acessória numa condenação.    Os números da Direção-Geral de Reinserção Social mostram um aumento na aplicação desta medida de coação. Em 2009, quando a lei entrou em vigor, a pulseira foi aplicada em três casos de violência doméstica. No ano seguinte, o número cresceu para 30. Em 2011,66 suspeitos de violência doméstica estavam com pulseira eletrónica, número que subiu para 79 entre janeiro e junho deste ano. Em 72% do total de pulseiras aplicadas, estas só foram retiradas devido à extinção ou revogação da medida de coação. A DGRI apenas registou incumprimentos ou violações em 5% dos casos.    O que é o sistema de vigilância eletrónica?    Atualmente pode ser usada na fiscalização da medida de coação de obrigação de permanência na habitação, na execução da pena de prisão em regime de obrigação de permanência na habitação e na execução da adaptação à liberdade condicional. Pode ainda ser usada na fiscalização da proibição de contactos entre vítima e agressor no âmbito do crime de violência doméstica.    Quem determina a aplicação da pulseira eletrónica?    Nos casos de aplicação como medida de coação, compete ao juiz de instrução a decisão de submeter um arguido ao regime, após proposta do Ministério Público. Quando estiver em causa a aplicação para cumprimento de prisão, a decisão é de um juiz de julgamento (com a concordância do arguido). Se a pulseira for para cumprir um último ano de uma pena de prisão, aí é um juiz de execução de penas.    O sistema é seguro?    Globalmente sim. Apenas em 3% dos casos de aplicação da pulseira eletrónica é que severificou incumprimento por parte do arguido.    Como funciona o sistema? Depois da decisão de aplicação da pulseira eletrónica, compete à Direção-Geral de Reinserção Social (ex-Instituto de Reinserção Social) fazer todo o acompanhamento do processo, desde a sua colocação à retirada. Para submeter um arguido ao regime, é preciso que este tenha em casa eletricidade e uma linha telefónica. O sistema permite saber se o arguido sai ou entra na habitação, se danifica, tenta danificar ou retira o aparelho ou se desloca a unidade de monitorização local ou a desliga da energia elétrica ou da rede de telecomunicações.    Como é que os tribunais recebem informação sobre o cumprimento da medida?    Os serviços de reinserção social enviam ao tribunal um relatório trimestral sobre a execução da medida e o desempenho do arguido. Sempre que se verifiquem anomalias graves que ponham em causa o cumprimento ou que violem a integridade da decisão judicial, é elaborado um relatório de anomalias.    Em que situações se pode recorrer à pulseira eletrónica?    Atualmente, em quatro: como medida de coação de obrigação de permanência na habitação, como pena de prisão e remanescentes até um ano (ou dois, em casos excecionais), como forma de monitorizar um condenado na sua adaptação à liberdade condicional e como método para fiscalizar a proibição de contactos entre um suspeito de violência doméstica e a vítima.    O sistema informático da Direção-Geral de Reinserção Social é seguro?    O organismo do Ministério da Justiça garante a total segurança do sistema que controla as pulseiras eletrónicas, afirmando que o mesmo é impenetrável, devido aos “sucessivos mecanismos de “segurança” existentes.
Diário de Notícias 11-09-2012

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