Pedro Santos Guerreiro - O Governo estragou tudo.
Tudo. Estragou a estabilidade política, a paz social, estragou aquilo que entre
a revolta e o pasmo agregava o país: o sentido de que tínhamos de sair disto
juntos. Sairemos disto separados? Hoje não é dia de escrever com penas, é dia
de escrever de soqueira.
Passos Coelho, Gaspar e Borges estiveram fechados
em salas tempo de mais. Esqueceram-se que cá fora há pessoas. Pessoas de
verdade, de carne, osso, pessoas com dúvidas, dívidas, família, pessoas com
expectativas, esperanças, pessoas com futuro, pessoas com decência. Pessoas que
cumpriram. Este Governo prometeu falar sempre verdade. Mas para falar verdade é
preciso conhecer a verdade. A verdade destas pessoas. Quando o primeiro-ministro
pedir agora para irmos à luta, quem correrá às trincheiras?
Não é a derrapagem do défice que mata a união que
faz deste um território, um país. É a cegueira das medidas para corrigi-lo. É a
indignidade. O desdém. A insensibilidade. Será que não percebem que o pacote de
austeridade agora anunciado mata algo mais que a economia, que as finanças, que
os mercados - mata a força para levantar, estudar, trabalhar, pagar impostos,
para constituir uma sociedade?
O Governo falhou as previsões, afinal a economia
não vai contrair 4% em dois anos, mas 6% em três anos. O Governo fracassou no
objectivo de redução do défice orçamental. Felizmente, ganhámos um ano. Mas não
é uma ajuda da troika a Portugal, é uma ajuda da troika à própria troika,
co-responsável por este falhanço. Uma ajuda da troika seria outra coisa: seria
baixar a taxa de juro cobrada a Portugal. Se neste momento países como a
Alemanha se financiam a taxas próximas de 0%, por que razão nos cobram quase
4%?
Mais um ano para reduzir o défice é também mais um
ano de austeridade. E sem mais dinheiro, o que supõe que regressaremos aos
mercados em 2013, o que será facilitado pela intervenção do BCE. Mas
"regressar aos mercados" não é um objectivo político nem uma forma de
mobilizar um país. São os fins, não os meios, que nos movem.
Sucede que até este objectivo o Governo pode ter
estragado. Só Pedro Passos Coelho parece não ter percebido que, enquanto
entoava a Nini, uma crise política eclodia. A nossa imagem externa junto dos
mercados, que é uma justa obstinação deste Governo, está assente em três ou
quatro estacas - e duas delas são a estabilidade política e a paz social. Sem
elas, até os juros sobem. E também aqui o Governo estragou tudo. Tudo.
Os acordos entre partidos da coligação e o PS, e entre
o Governo e a UGT, têm uma valor inestimável. Que o diga Espanha, que os não
tem. Mas não só está anunciado um aumento brutal de impostos e de corte de
salários públicos e pensões, como se inventou esta aberração a destempo da
alteração da taxa social única, que promove uma transferência maciça de riqueza
dos trabalhadores para as empresas. Sem precedentes. Nem apoiantes.
Isto não é só mais do mesmo, isto é mal do mesmo. O
dinheiro que os portugueses vão perder em 2013 dá para pintar o céu de
cinzento. O IRS vai aumentar para toda a gente, através de uma capciosa redução
dos escalões e do novo tecto às deduções fiscais; os proprietários pagarão mais
IMI pelos imóveis reavaliados, os pensionistas são esmifrados, os funcionários
públicos são execrados. É em cima de tudo isto que surge o aumento da TSU para
os trabalhadores.
Alternativas? Havia. Ter começado a reduzir as
"gorduras" que o Governo anunciou ontem que vai começar a estudar
para cortar em 2014 (!). Mesmo uma repetição do imposto extraordinário de IRS
que levasse meio subsídio de Natal, tirando menos dinheiro aos trabalhadores e
gerando mais receita ao Estado, seria mais aceitável. O aumento da TSU é uma
provocação. É ordenhar vacas magras como se fossem leiteiras.
Poucos políticos têm posto os interesses do país à
frente dos seus. Desde 2008 que tem sido uma demência. Teixeira dos Santos
aumentou então os funcionários públicos para ganhar as eleições em 2009. Cavaco
Silva devia ter obrigado a um Governo de coligação depois dessas eleições. José
Sócrates jamais deveria ter negociado o PEC IV sem incluir o PSD. O PSD não
devia ter tombado o Governo. E assim se sucedem os erros em que sacrificam o
país para não perderem a face, as eleições ou a briga de ocasião. O que vai
agora o PS fazer? E Paulo Portas? E o Presidente da República, vai continuar a
furtar-se ao papel para que foi eleito?
João Proença foi das poucas pessoas que pôs o
interesse do país à frente do seu, quando fez a UGT assinar um acordo para a
legislação laboral que, obviamente, lhe custaria a concórdia entre os
sindicalistas. Até Proença foi agora traído. Com o erro brutal da TSU, de que
até meio PSD e o Banco de Portugal discordam. Sim: erro brutal.
É pouco importante que Passos Coelho não tenha
percebido que começou a cair na sexta-feira. É impensável que lance o país numa
crise política. É imperdoável que não perceba que matou a esperança a milhares
de pessoas. Ontem foi o dia em que muitos portugueses começaram a tomar
decisões definitivas para as suas vidas, seja emigrar, vender o que têm, partir
para outra. Ou o pior de tudo: desistir.
Foi isto que o Governo estragou. Estragou a crença
de que esta austeridade era medonha e ruinosa, mas servia um propósito gregário
de que resultaria uma possibilidade pessoal. Não foi a austeridade que nos
falhou, foi a política que levou ao corte de salários transferidos para as
empresas, foi a política fraca, foi a política cega, foi a política de Passos
Coelho, Gaspar e Borges, foi a política que não é política.
Esta guerra não é para perder. Assim ela será
perdida. Não há mais sangue para derramar. E onde havia soldados já só estão as
espadas.
Pedro Santos Guerreiro
Negócios online de 11-09-2012
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