domingo, 7 de abril de 2013

Decisão do TC abre a porta a despedimentos na função pública

RAQUEL MARTINS 

07/04/2013 - 00:00
Rui Medeiros, constitucionalista e professor da Católica, considera que o Governo poderá enveredar por medidas deste tipo e por mudanças nas pensões
Confrontado com o chumbo de várias medidas na área da despesa, o Governo terá de actuar em dois campos - o vínculo dos funcionários públicos, abrindo a porta a despedimentos, e o sistema de pensões - para conseguir reduzir a despesa. Rui Medeiros critica o Tribunal Constitucional (TC) por insistir, na fundamentação do acórdão, na tese de que a crise é transitória.
Faz sentido o TC continuar a argumentar que as medidas têm carácter transitório, quando se repetem de ano para ano, desde 2011?
É fundamental que um jurista esteja no mundo e perceba a realidade. Num determinado momento, a transitoriedade tinha sentido. Naquele contexto em que pensávamos que esta era uma situação contingente, muito transitória e associada a um plano de reestruturação que rapidamente chegaria ao fim. Temos de ter absoluta consciência de que a crise que o país atravessa - com o problema do défice orçamental, com o peso da dívida pública e com toda a incapacidade de crescimento económico - é estrutural e não é conjuntural. E sendo conjuntural, a resposta vai demorar muito tempo a ser encontrada. É uma ilusão pensar que em dois, três ou cinco anos resolvemos o problema. A Constituição tem de lidar com os sinais dos tempos que, infelizmente, irão prolongar-se por muitos anos.
A realidade não foi tida em conta na análise que o TC fez às normas do Orçamento do Estado?
Não. O TC continua a insistir que se trata de um problema transitório, enquanto vigorar o programa de assistência financeira, não dando qualquer relevância ao facto de circular, à boca fechada, a necessidade de termos um segundo resgate. Tudo isto é ignorado.
Está a deixar em aberto que no futuro tenha de se pronunciar sobre estas medidas novamente?
Certo. Temos de reinventar o sentido desta Constituição. Não é suspender, é ler a Constituição adequada aos sinais dos tempos.
Este acórdão limita o Governo na tomada de medidas permanentes do lado da despesa? No caso da função pública, por exemplo.
O acórdão tornou evidente que os limites são muito fortes e opressivos. O que significa que a diferenciação possível entre público e privado é cada vez mais limitada. Isso limita fortemente a liberdade do legislador democrático.
O TC, na argumentação, deixa algumas pistas sobre até onde pode o Governo ir no futuro?
O TC não apresenta pistas nem tinha de apresentar. Não cabe ao TC apontar alternativas. Provavelmente, a tentativa de preservar o estatuto dos funcionários públicos vai forçar o Governo, inevitavelmente, a avançar com políticas de despedimentos na função pública. Acho impossível alterar o pilar da despesa sem introduzir despedimentos.
O Estado social também terá de ser revisitado. O TC não fechou a porta. Ainda assim, ao legitimar a contribuição extraordinária de solidariedade [enquanto medida transitória] e ao não admitir o corte no subsídio de férias, está a dizer que há limites.
Porque é que os despedimentos se tornam uma das vias mais fortes?
Claramente, o acórdão acentuou a igualdade entre público e privado. Embora continue a dizer que pode haver diferenciações, limitou-as aos cortes nos salários efectuados em 2011 [e repetidos em 2012 e em 2013]. Está a abrir a porta, sem o dizer, a que o Governo adopte soluções semelhantes às do privado, relativamente à segurança no emprego no quadro de uma crise orçamental.

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