Instituição que
acolhe portadores de deficiência mental foi obrigada a indemnizar funcionária
que tinha despedido por agredir utentes.
Uma sentença do Tribunal do Trabalho de Coimbra
considera que o facto de uma funcionária do lar residencial de S. Silvestre, da
Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental de Coimbra
(APPACDM), ter desferido uma palmada no rabo de um rapaz de 14 anos e de ter
apertado o nariz a outro para o forçar a comer um iogurte não constituem
motivos válidos para o seu despedimento.
Por isso, a juíza responsável pelo caso
condenou a instituição, vocacionada para o acolhimento de cidadãos portadores
de deficiência mental, ao pagamento de uma indemnização no valor de 6700 euros
àquela funcionária.
Na sentença a que o PÚBLICO teve acesso, a
juíza considera que a palmada no rabo “não foi totalmente gratuita,
desproporcionada ou excessiva” e diz que a força física “utilizada por alguém
que, de alguma forma, até por ser mais velho, disciplina e orienta em termos
educacionais um adolescente ‘que se está a portar mal’”, configura uma medida
de cariz correctivo e educativo.
A presidente da APPACDM, Helena Albuquerque,
mostra-se indignada. “O exercício de violência sobre os nossos jovens é um
comportamento que nós não toleramos de forma nenhuma. Foi, aliás, por causa
disso que demos formação aos nossos funcionários sobre técnicas de
imobilização, para impedir os distúrbios sem causar sofrimento, porque é
verdade que alguns dos nossos jovens podem ficar agressivos”, afirma, para
questionar: “Com que autoridade posso eu agora dizer aos funcionários que não
podem, em circunstância nenhuma, usar de violência sobre os utentes?”.
O tribunal deu como provado que a funcionária,
contratada em 2003 para trabalhar directamente no apoio aos portadores de
deficiência mental, obrigou, em Junho de 2012, um dos utentes do lar a ingerir
um iogurte que este recusava. “Sem que previamente tivesse sido solicitado o
seu auxílio, a trabalhadora/requerente retirou o iogurte da mão da colega [...]
e, apertando o nariz do utente [...] por forma a que este abrisse a boca fez
com que o mesmo ingerisse o iogurte”. Daí resultou que a ingestão do iogurte se
tivesse processado “através de colheradas rápidas, sem que, todavia, o utente
se engasgasse”.
Noutra altura, perante a recusa de um utente de
14 anos em tomar banho, tendo este chegado a atingir a funcionária com umas
sapatilhas, aquela deu-lhe uma palmada no rabo, “que não lhe deixou marca
visível no corpo”. Ora, embora considere que a funcionária assumiu
comportamentos “menos correctos” e louve a preocupação da entidade empregadora
quanto ao não emprego da força física, o tribunal considera que, naquela
situação em concreto, a palmada “não foi totalmente gratuita, desproporcionada
ou excessiva”. E conclui assim que tais comportamentos não assumem “uma
gravidade tal” que não permita “a manutenção da relação de trabalho”.
Para Helena Albuquerque, o tribunal “abre um
precedente muito grave, nomeadamente quando considera que o bater pode ser uma
atitude correctiva”. Mais ainda porque o universo de utentes em causa é
composto por portadores de deficiência muitas vezes para ali encaminhados pelos
tribunais por terem sido vítimas de maus-tratos na família. “A partir de agora,
sempre que quiser dizer ‘não batam’, não vou poder, porque uma instituição de
justiça do país diz que essa pode ser uma forma de corrigir e educar”, conclui.
Público, 10-1-2013
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