Desta vez o pedido de fiscalização do OE vem do próprio Presidente, que o faz num contexto político e com consequências que o TC não poderá ignorar. Um ónus pesado, dizem os constitucionalistas
FILOMENA LANÇA filomenalanca@negocios.pt
Os juizes do Constitucional têm desde ontem em mãos um dos processos mais delicados que passaram pelas três décadas de história que leva o tribunal: decidir, a pedido do Presidente da República, sobre a constitucionalidade de um Orçamento do Estado (OE) numa altura em que o País atravessa um dos piores momentos financeiros da sua história contemporânea Sem prazo legal para decidir, os conselheiros do palácio Ratton estão sob forte pressão e é expectável que entre Fevereiro, Março, o mais tardar, seja conhecida uma decisão. Sendo que o impacto político será incontornável.
Neste contexto, "haverá sempre perdedores", sustenta o politólogo Pedro Adão e Silva Se o TC der razão a Cavaco, o Governo ficará com um problema delicado em mãos, numa altura em que começará também a haver notícias da execução orçamental e em que estarão já em marcha as medidas para os anunciados cortes de quatro mil milhões de euros na despesa, refere. Caso a decisão seja pela conformidade do OE com a Constituição, "o PR ficará numa situação de fragilidade, depois de ter manifestado uma convicção fundada de que há uma problema de distribuição de sacrifícios".
Para já, ninguém arrisca palpites. "Todas as hipóteses estão em aberto, muito embora seja significativo, em termos políticos, o pedido vir do PR", admite o constitucionalista Paulo Otero. Porém, se é certo que ninguém põe em causa a capacidade dos juizes do TC para contornar as pressões, desta vez há uma forte e incontornável componente política, porque "fica nas suas mãos o odioso de uma interferência muito violenta no desenvolvimento da acção do Governo", sublinha Pedro Bacelar de Vasconcelos. E"é inevitável que isso influencie o TC, que dificilmente poderá ignorar todas as consequências da sua decisão, tanto a nível nacional como internacional". Para este constitucionalista, "o PR passou o ónus político para um órgão, o TC, que não é eleito. E isto tem efeitos perversos na saúde da nossa democracia constitucional", lamenta.
Desta vez o TC tem um precedente No ano passado, apesar dos cortes que o OE 2012 já consagrava Cavaco Silva optou por não pedir a intervenção do TC. Fê-lo este ano e é possível que não fique imune a críticas por isso, até "pela sua condição de reformado, que o coloca entre os mais afectados", lembra Pedro Adão e Silva António Costa Pinto suaviza a interpretação: no ano passado havia "um pacto informal entre os partidos e o PR para não enviar o OE para o TC - este chegou lá apenas pela mão de um grupo de dissidentes do PS mas,rompido este pacto, era expectável este pedido". Mas se a decisão de Cavaco já era mais ou menos esperada, "uma mensagem tão forte é que não era expectável", sustenta Pedro Adão e Silva. E isso há-de ter o seu peso no momento da decisão, sendo que, desta vez, há precedentes e "o TC tem uma linha de jurisprudência", refere Paulo Otero.
Considerará o TC que está resolvido o problema da violação do princípio da igualdade? E, se o fizer, optará, tal como em 2012 e olhando à situação do País, por permitir que a decisão não produza efeitos este ano? Pedro Adão e Silva acredita que não: "Seria o fim da relevância política do TC. A decisão do ano passado só pode ter funcionado como um aviso para a frente e não se repetirá".
Se decidir pela inconstitucionalidade com força obrigatória geral de todas ou de algumas das normas que vai avaliar, o TC pode ainda optar entre fazer ou não retroagir os efeitos a Janeiro. Em todo o caso, o Governo terá de fazer um orçamento rectificativo. Que pode, por sua vez, ter de passar novamente pelo crivo do TC.
Jornal
Negócios, 3-1-2013
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