Tribunal Constitucional Foi o opositor que Gaspar não conseguiu ultrapassar nem vergar à condição de executor de políticas.
António Freitas de Sousa antonio.sousa@economico.pt
Quando Pedro Passos Coelho ganhou as eleições a José Sócrates e começou a fazer uns telefonemas para formar Governo, uma das maiores incógnitas desse mês já quase longínquo de Junho de 2011 era saber-se a quem ligaria para preencher o cadeirão do Ministério das Finanças. Sabia se qual era o perfil mão de ferro para impor os planos da ‘troika’ para Portugal, capacidade profissional acima de qualquer suspeita e boa imagem no exterior, nomeadamente em Bruxelas e em Berlim, sendo o lado da capa cidade política a parte clara mente negligenciável mas nunca se chegou a saber antes do tempo quem seria o escolhido.
Quando se soube que o novo ministro das Finanças seria Vítor Gaspar, o país ficou na mesma: ninguém sabia ao certo quem ele era e, como tal. era basicamente impossível saber se o que se poderia contar da parte de mais um dos tecnocratas que populavam no novo elenco governativo. Em (muito) pouco tempo, Vítor Gaspar transformou se na es trela mais surpreendente do Governo: desconcertante nas declarações que proferia permitindo algumas delas detectar um humor corrosivo e quase ‘nonsense’ estava claramente à vontade em qual quer tema que tivesse minimamente a ver com macroeconomia e com políticas europeias e parecia ter grande facilidade de diálogo com os seus novos homólogos da União Europeia.
Não era para menos: Vítor Gaspar foi director geral de estudos económicos no Banco Central Europeu (1098/2004) e director do Gabinete de Conselheiros de Política Económica da Comissão Europeia (2007/2010). para além de ter coleccionado uma enorme listagem de funções no Banco de Portugal.
Tinha, por isso, três grandes factores a seu favor: não lhe eram conhecidas quaisquer trangiversações políticas – o que parecia permitir lhe ser rigorosamente independente de qualquer poder instalado; parecia estar tecnicamente acima de qualquer suspeita; e era temivelmente eficaz quando era preciso responder a qualquer invectiva, fosse dos partidos da oposição, fosse dos sindicatos, fosse de qualquer outro sector.
Desde o primeiro dia à frente da pasta das Finanças, Vítor Gaspar entendeu que não de veria enganar ninguém em termos do que seriam as opções do seu programa: ele se guia rigorosamente no limite do que era proposto pela ‘troika’ – salvo nas partes em que o novo ministro antevisse a possibilidade de a economia portuguesa respondei” ainda com maior profundidade.
E terá sido essa pequena ‘nuance’ que começou a minar a posição do super-ministro responsávelpor um ministério que praticamente esvaziou de funções os ministérios da Economia e da Agricultura e reduziu todos os outros à condição de executores orçamentais de políticas com que muitas vezes nem sequer estavam totalmente de acordo.
O excesso de zelo de Vítor Gaspar face às políticas impostas pela ‘troika’ foi a base do primeiro confronto político do ministro, mantido com alguém para quem a política ainda é uma forma superior de arte: Paulo Portas, por acaso ministro dos Negócios Estrangeiros e também de Estado. Paralelamente, Vítor Gaspar c as suas desconcertanles respostas mantinham em sentido a oposição, os sindicatos e mesmo os jornalistas, o que lhe permitia passar quase incolume por entre a barragem de críticas à sua actuação. E quando essa barragem era excessiva ou cansativa, Gaspar podia sempre entrar num avião e rumar a qualquer grande capital europeia, onde a sua imagem de rigor e qualidade técnica nunca foi beliscada apesar do aborrecimento que era, internamente, o crescente diferencial entre previsões e realidade económica.
Internamente é que o milagre deixou de suceder: as previsões do ministro para todos os indicadores importantes (desemprego, crescimento económico, despesa do Estado, cobrança de impostos, etc.) falhavam invariavelmente e só os valores do défice se mantinham dentro do imprescindível – mas sempre à custa de receita extraordinária, qualquer que ela fosse, não se desse o caso de a ‘troika’ desertar. E foi então que, de repente, Vítor Gaspar enfrentou o opositor que não conseguiu ultrapassar: o Tribunal Constitucional. Como consta da carta de despedida enviada às redacções, o ministro das Finanças informou Pedro Passos Coelho da sua vontade de sair do Governo a 22 de Outubro do ano passado, numa altura em que ficou evidente que os cortes dos subsídios à Função Pública não iriam para a frente e, pior que isso, fariam jurisprudência em termos da posição, vinculativa, do TC.
Diário Económico | Terça, 02 Julho 2013
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