terça-feira, 2 de julho de 2013

Discutir as leis é urgente

A VIDA EA LEI

O que está em causa, verdadeiramente, é o uso dos "nossos dinheiros" e a responsabilização dos que atentíim contra o bem comum e as necessidades colectivas

António Cluny

1. Das coisas que me impressionaram nas manifestações que ocorreram no Brasil destaco o facto de ter visto um conjunto de pessoas empunhando cartazes contra a PEC 37.

A PEC 37 era uma proposta de revisão constitucional que visa retirar o poder investigatório ao Ministério Público brasileiro e dificultar assim a possibilidade de uma investigação criminal independente, no âmbito do combate à corrupção.

Trata-se, aparentemente, de uma matéria técnica cuja compreensão, em princípio, eu cria acessível, sobretudo aos juristas e cidadãos politicamente mais conscientes.

Ver, portanto, um punhado de populares fazer da luta (vencedora) contra tão absurda proposta uma bandeira de luta contra a injustiça que, globalmente, envolve toda a sociedade brasileira, constituiu para mim uma lição e um estímulo.

2. Vários políticos portugueses têm manifestado, muito justamente, a necessidade de ver responsabilizados os administradores que geriram - pelo menos levianamente - os dinheiros públicos, que lhes cabia administrar em prol do bem comum e da realização de necessidades colectivas.

Acontece que, fora do âmbito sempre mais exigente da responsabilidade criminal, tal responsabilização apenas, poderia eficazmente ter lugar através da "responsabilidade financeira", que, constitucionalmente, compete ao Tribunal de Contas efectivar.

Acontece que a lei que regula a "responsabilidade financeira" dos que gerem e usam dinheiros púbicos dinheirosde todos nós, portanto -, apesar dos recentes aperfeiçoamentos, é, do ponto de vista técnico-legislativo, deficiente e, pior, assumidamente restritiva no que se refere à responsabilização de titulares de cargos políticos e gestores.

Existem problemas na definição das infracções a imputar aos gestores das entidades empresariais que usam dinheiros públicos, na concretização dos que podem ser responsabilizados no âmbito do poder autárquico e no que diz respeito à responsabilização de todos que contribuem com o seu "parecer técnico e jurídico" para a aprovação e "autorização da despesa" por parte dos decisores políticos e dos gestores. No plano processual, normas existem, também, a necessitar de clarificação e melhoramento, tendo em atenção a complexidade de um processo que, ora se desenvolve no plano da "perícia financeira" (processo de auditoria), ora necessita de se concretizar, no plano já jurisdicional, através da acção do Ministério Público e do julgamento dos responsáveis pelo tribunal.

A lei necessita por isso de reflexão e aperfeiçoamento urgentes.

Necessário é pois que o poder político, que proclama - e bem - a necessidade de apurar responsabilidades, se decida a avançar.

3. Numa democracia moderna, porém, a necessidade de tal discussão não deve ficar refém dos "guardiões do templo", sejam eles políticos, magistrados, académicos ou juristas.

O que está em causa - mesmo que através da escolha das melhores soluções técnicas - são importantes questões políticas de que depende o futuro da democracia.

O que está em causa, verdadeiramente, é o uso dos "nossos dinheiros" e a responsabilização dos que atentam contra o bem comum e as necessidades colectivas.

A nossa sociedade - à semelhança da brasileira - tem, por isso, de saber ultrapassar as mentalidades balofas que sempre afogaram a discussão do Estado de direito em estilosos arrazoados técnicos que, em muitos casos, apenas servem, afinal, para escamotear o sentido e a importância política das escolhas. Abrir esta discussão trará a desejada e necessária "confiança" a um país dela tão pobre e carente.

Jurista e presidente da MEDEL Escreve à terça-feira

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