terça-feira, 2 de julho de 2013

“O Constitucional não anda no jogo político-partidário”

ENTREVISTA M0URAZ LOPES Presidente da Associação Sindical dos Juizes Portugueses
Pressão. Magistrados querem que o seu estatuto remuneratório seja blindado pela Constituição.
Inês David Bastos ines.bastos@economico.pt
Mouraz Lopes, presidente da Associação Sindical dos Juizes Portugueses, critica Passos Coelho pelo ataque público que fez ao Constitucional, pede ao Governo que analise bem os diplomas antes de os aprovar e deixa o alerta-, o Tribunal Constitucional não faz “jogo político-partidário”.
Crítico dos cortes de vencimento que os magistrados têm sofridos ¦ nos orçamentos, o presidente da associação que representa os juizes lembra que a independência financeira é uma parcela importante da sua independência.
- Qual é a importância dos tribunais e dos juizes em momentos de crise?
- Não somos o único garante de direitos, mas somos, claramente, o único garante totalmente independente dos direitos quando a lei não resolve. Dou o exemplo do Tribunal Constitucional. Nos últimos dois anos, tivemos duas intervenções do Tribunal Constitucional que vieram declarar normas do Estado inconstitucionais. Foi este tribunal que veio dizer: “Alto, isto tem limites”….
- …e foi muito criticado por isso. Como viu as críticas de Passos e outros governantes ao Constitucional?
- Temos de respeitar as decisões dos tribunais. Quando há uma decisão do Tribunal Constitucional, o que há a fazer é cumprir a decisão. É legítimo criticá-las, o que já não é legítimo são críticas ao órgão e a imputação de responsabilidades que não tem. Não foi o Constitucional que provocou a crise económica do país. Não foram os juizes do Constitucional que provocaram o estado das coisas e que obrigaram a tomar medidas de austeridade. O Constitucional limitou-se a aplicar a Constituição a pedido de vários, incluindo do Presidente. Foi a democracia a funcionar.
- Passos descredibilizou o TC ao criticá-lo publicamente?
- Foi um mau momento, que não devia ter acontecido. As instituições têm de ser respeitadas, sobretudo os tribunais que, como o Tribunal Constitucional, não andam no jogo político. O Tribunal Constitucional, que tem uma dimensão política, não tem uma dimensão partidária, nem pode ter. É importante que quem tem a capacidade de nomear juizes para o TC, não tente colocá-lo em guerras partidárias. Os tribunais não podem entrar no jogo político- -partidário.
- Algumas medidas anunciadas depois do segundo chumbo já suscitam dúvidas constitucionais, incluindo ao Provedor de Justiça [ver texto principal], É uma nova afronta do Governo ao TC?
- O Governo e a Assembleia da República têm de ter juristas suficientemente competentes para verificarem, à partida, a constitucionalidade das leis. Se isso não acontece, estão sujeitos ao crivo do TC – mas era importante que isso não acontecesse.
- Cavaco devia ter defendido o TC quando Passos o criticou?
- A independência dos tribunais tem qualquer coisa de essencial nas democracias e é a garantia de todos os cidadãos de que há alguém que, no último limite, defende os seus direitos e não tem medo. Essa garantia que tem de ser respeitada, tanto mais em momentos difíceis. Quando essa garantia é posta em causa, os órgãos de soberania devem alertar publicamente para a importância da independência dos tribunais.
- Disse numa entrevista que gostava de viver num país que garante os direitos das pessoas. Gosta de viver em Portugal?
- Portugal está a garantir os direitos fundamentais, mas há outros direitos que estão a regredir, como os sociais, que são aquisição quase civilizacional, e isso preocupa-me muito.
- A democracia está doente?
- As regras democráticas estão a funcionar, mas temos um problema que pode pôr em causa as regras democráticas: a partir do momento em que a maioria das pessoas deixe de ter condições para ter uma vida digna, as coisas podem começar a complicar-se porque começam a pôr em causa o próprio sistema democrático.
- Os magistrados, como as universidades, conseguem mesmo assim ser poupadas pela austeridade, com excepções.
- Acha? Isso é uma percepção, mas é preciso perceber porque é que os juizes têm algumas excepções. Os juizes não podem exercer outras funções, trabalham em exclusividade e isso tem de ter um estatuto económico. O vencimento de um presidente de uma das maiores empresas do PSI 20 ganha tanto quanto os 61 juizes do Supremo Tribunal de Justiça, que têm um vencimento líquido médio de 3.600 euros. Deixo a pergunta: Isto é um ordenado justo?
- Que riscos há com a descida do salário nestes orçamentos?
- Não podemos ser juizes à beira de um ataque de nervos. Temos de ter serenidade para julgar e essa serenidade impõe dignidade no seu estatuto, dignidade impõe que tenhamos uma remuneração adequada à função. Reconhecemos que vivemos numa situação-limite, mas já chegámos a um limite. Gostávamos que o Estatuto dos Juizes fosse constitucionalmente blindado, como na Alemanha, no Brasil, na Polónia, para que não possa ser alterado por maiorias políticas. Queremos também que consagre uma norma que não permita mexidas nos rendimentos. Não podemos andar de mão estendida a pedir aos órgãos de soberania que não alterem o nosso estatuto.
Diário Económico | Terça, 02 Julho 2013

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