sexta-feira, 5 de julho de 2013

GOVERNO QUER ESCUTAS SÓ NA PJ

Escutas: PJ vai ter monopólio
Paula Teixeira da Cruz, prepara-se para dar à PJ o monopólio das escutas telefónicas. A medida foi recebida com grande descontentamento nas outras polícias e no Ministério Público
GOVERNO QUER ESCUTAS SÓ NA PJ

Felícia Cabrita Sónia Graça

O Ministério da Justiça quer concentrar na PJ todas as escutas telefónicas, retirando essa competência às outras polícias. A proposta está a causar polémica entre magistrados e polícias, que alertam para o risco de paralisação dos inquéritos.
A ministra da Justiça quer atribuir o monopólio das escutas à Polícia Judiciária (PJ). Os outros órgãos de polícia criminal (OPC), que desconheciam o projecto guardado a sete chaves, e o próprio Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (MP) estão «completamente contra». Se a alteração à lei de Organização de Investigação Criminal for aprovada no Parlamento, a PJ passará a investigar em exclusivo todos os crimes que admitem intercepções, incluindo uma simples ameaça ou injúria por telefone.

«A opção apresenta a virtualidade de concentrar numa única entidade a responsabilidade pelo cumprimento da legalidade da execução de um meio de prova que, pelos direitos que potencialmente é susceptível de atingir, não se compadece com a sua dispersão por diversos órgãos de policia criminal» - lê-se na exposição de motivos da proposta de lei.

Isto significa que, a partir do momento em que forem autorizadas escutas no âmbito de um inquérito aberto por uma polícia que não a PJ, a competência dessa polícia «cessa». E esse inquérito «é remetido à PJ, não podendo ser praticados quaisquer outros actos de investigação» pela polícia que lhe deu origem.

'Retrocesso de 20 anos'
Todos os OPC e procuradores ouvidos pelo SOL vêem este projecto como uma «machadada» e um «retrocesso de pelo menos duas décadas» na investigação o que levará à sua paralisação. E questionam se por trás desta proposta não haverá uma motivação política insondável.

«Espero que esta opção não seja uma tentativa de condicionamento de investigações que acabaram por visar políticos ou forças políticas» diz Nuno Barroso, presidente da Associação Sindical dos Funcionários da Inspecção Tributária, lembrando que casos como o Furacão ou Monte Branco foram desencadeados pela Inspecção Tributária e «dificilmente voltarão a acontecer». A PJ «não tem meios para responder à quantidade de escutas» nem «conhecimentos técnicos» necessários, avisa o sindicalista, alertando ainda para a perda de autonomia do MP

Com este projecto, também os magistrados passarão a submeter o seu método de investigação aos critérios da PJ. «Os direitos afectados pela intercepção das comunicações impõem que (...) exista um controlo da sua execução por parte da P J que não se pode bastar com o controlo da sua regularidade formal» argumenta, no projecto, o ministério de Paula Teixeira da Cruz.

O presidente do Sindicato dos Magistrados do MP lembra, a propósito: «Não é função da PJ controlar este meio de prova, mas sim do MP (que o propõe) e do juiz de instrução (que autoriza, ou não). Não cabe à PJ controlar o que os outros OPC fazem».

Rui Cardoso avisa que esta alteração irá «afundar a PJ, que já tem dificuldade em cumprir nos prazos com os inquéritos altamente exigentes que tem em mãos». E discorda que haja demasiadas escutas: «São usadas em menos de 1% dos inquéritos».

Actualmente com menos de dois mil investigadores, a Judiciária terá de assegurar no mínimo o dobro das escutas que executa.

No ano passado, no total dos OPC, foram feitas 13.046 escutas. Metade (6.450) coube à PSP e à GNR, enquanto a PJ fez 6.444.

Contactadas pelo SOL, fontes da PJ disseram que encaram com «naturalidade» este projecto, tendo em conta as «competências legal e historicamente atribuídas à Judiciária».

'Um Insulto à PSP'
Rui Cardoso prevê que muitos crimes actualmente a cargo da PSP e GNR «ficarão por investigar»: «O tráfico de rua é um exemplo. Ou nos contentamos em prender o traficante da esquina, que vende ao consumidor, ou, se queremos saber a quem compra, temos de pôr uma escuta. Aí, o processo teria de passar para a PJ - mas a PSP e a GNR é que conhecem a comunidade».

O que todos mais criticam são os critérios do projecto, de onde resulta que uns OPC sabem controlar as escutas e outros poderão até agir de má-fé.

«Como se pode dizer que uns são mais sérios do que outros? Isto é um insulto à inteligência dos profissionais da PSP que já deram provas da sua competência e têm processos cada vez mais complexos», critica Paulo Rodrigues, presidente do maior sindicato da PSP, realçando que as escutas são validadas de 15 em 15 dias pelo juiz.

Paulo Rodrigues teme pelo menos dois cenários: «Sabendo de antemão que não pode recorrer a todos os meios de prova, o investigador não terá a melhor motivação e pode enviar o processo logo no início ao MP para que este delegue na PJ. Ou então, para não perder um inquérito em que já reuniu provas, vai recorrer a meios menos eficazes, como as buscas, que prejudicam a investigação porque o suspeito fica a saber que está a ser investigado». Resultado: «A investigação será mais lenta, mais cara e no final pode ser arquivada».

Na prática, explica, se o novo regime for aprovado, um simples pedido da factura detalhada de um telefone passa para a alçada da PJ.

Entre os investigadores, há quem lembre que os últimos governos cederam sempre à tentação de alterar a lei, após casos mediáticos em que as escutas estiveram no centro das investigações - como os processos Casa Pia e Face Oculta (que interceptaram José Sócrates), e mais recentemente o inquérito Monte Branco (em que foram escutadas conversas de Passos Coelho e de José Maria Ricciardi).

«Estamos perante uma antecâmara que esconde outras intenções e receios de perda de protagonismo? Se querem limitar a PSP e a GNR ao furto em veículo, lembro que mesmo este crime, se for organizado ou modo de vida, admite escutas» afirma Paulo Rodrigues. José Dias, presidente da Associação Nacional de Oficiais da Guarda (GNR), considera mesmo que pode estar em causa a «descoberta da verdade»: «Sem o recurso às escutas, será impossível o acompanhamento em tempo real de uma operação ilegal relacionada com introdução fraudulenta no consumo de tabaco ou álcool, passando a nossa acção a ser reactiva em vez de proactiva». O oficial adverte que uma das consequências do projecto será o fim das equipas especiais, como a que investigou o gangue do Multibanco, pois isto «limita o poder do MP».

SOL05.­07.­2013

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