Negociação. O primeiro-ministro esteve reunido três vezes com Paulo Portas para alcançar um novo acordo de coligação. Mas à tarde chegou a Belém apenas com a garantia de que existe vontade dos dois partidos para manter a “estabilidade do Governo”. Cavaco Silva não exigiu que o demissionário ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros fique no Executivo, mas deixou claro que é necessário garantir a presença do líder do CDS no mesmo. O que coloca Portas num dilema: ou aceita permanecer no Executivo ou sai de cena no congresso do CDS, que foi desmarcado menos de um dia antes de acontecer
Cavaco troca as voltas a Portas e obriga-o a tomar decisão
Presidente da República não exigiu que Portas se mantivesse no Governo, mas sim que o “presidente” do segundo partido integre o Executivo. Posição de Cavaco Silva obrigou populares a adiar congresso previsto para o fim de semana
De agente provocador de uma crise política, Paulo Portas bem pode tornar-se a principal vítima dela. Durante o dia de ontem, foi veiculado que Cavaco Silva exigiu a presença de Portas no Governo para aprovar uma “nova fórmula” que mantenha estabilidade da coligação apresentada por Pedro Passos Coelho, a verdade é que Belém não o fez.
O que terá sido dito pelo Presidente da República ao primeiro-ministro tem uma nuance, confirmada ao DN por um responsável governamental: Cavaco Silva considerou importante não a inclusão de Portas no Governo, mas sim do “presidente do segundo partido da coligação”. Ontem, ao fim da tarde, o líder do CDS e os seus colaboradores mais próximos fecharam-se no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Em cima da mesa estavam dois cenários: ou Portas voltava atrás no pedido de demissão e tentava ganhar um novo fôlego no congresso que devia decorrer este fim de semana, ou abandonaria a liderança do partido, abrindo caminho a um novo líder que pudesse assegurar a estabilidade governativa “duradoura”, como é defendida no Palácio de Belém.
O DN sabe que o Presidente da República nunca terá mencionado nomes na sua defesa de um “Governo estável”.Epor duas razões: falar no nome de Paulo Portas, em vésperas de um congresso do CDS, poderia representar uma “ingerência” na vida interna do partido que vai eleger um novo líder; e porque a demissão do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros não foi aceite pelo primeiro-ministro e, como tal, não foi apresentada ao Chefe do Estado. Formalmente, o líder do segundo parado da coligação mantém-se no Governo. O cenário de um apoio governamental suportado num acordo de incidência parlamentar não não terá sido visto com bons olhos pelo Presidente, dada a fragilidade política do mesmo. Cavaco Silva já teria dado disto conta a PSD e CDS, remetendo para segunda-feira o início das reuniões com os partidos – PCP, Bloco de Esquerda e” Os Verdes” serão os primeiros e, em uníssono, reclamarão a realização de eleições antecipadas
Congresso do CDS adiado
Perante aquele roteiro traçado por Cavaco Silva para a aprovação presidencial de uma nova coligação, um alto dirigente do CDS admitiu, ontem, ao DN, a possibilidade de adiamento do congresso – agendado para amanhã e domingo na Póvoa do Varzim. “Se não houver uma solução até ao final de hoje [sexta-feira], o congresso poderá ser adiado.” O que se confirmou ao fim da noite. O partido decidiu convocar com urgência o Conselho Nacional para hoje à noite. A direção do CDS decidiuse por esta via, em virtude de o primeiro-ministro ter dito que está a negociar uma solução que garanta o apoio ao governo, pelo facto de o Presidente da República ter divulgado que vai receber os partidos no início da próxima semana e porque o CDS precisa de ter condições para deliberar serenamente sobre esta matéria, decidir o adiamento do Congresso por duas semanas. Fonte do partido adiantou ao DN que, por agora, não há nenhuma alteração no que respeita à recandidatura de Paulo Portas à liderança do CDS. Ontem à tarde, Pedro Passos Coelho frisou isto mesmo à saída de uma audiência com o Presidente da República, a demissão de Paulo Portas foi tomada a “nível pessoal” e não envolve o apoio do CDS ao Governo. E o próprio líder dos centristas afirmou que a mesma era”irrevogável”. Em entrevista à Rádio Renascença, Luís Nobre Guedes, antigo dirigente nacional do CDS, resumiu desta forma o atual quadro para o CDS: “Ou o CDS está no Governo e ele [Paulo Portas] está, ou o CDS não está no Governo e ele não está, e se não estiver no Governo, creio eu, que o CDS, no mínimo, vai viabilizar o Governo, pelo menos, até ao fim” programa da troika.
Depois do encontro com o Presidente, Pedro Passos Coelho afirmou ir procurar “a melhor fórmula para resolver a situação” e confirmou que ainda irá “aprofundar” junto de Paulo Portas e do CDS “uma forma de garantir as condições necessárias”. Traduzindo, o princípio de acordo, memorando de entendimento ou linhas gerais das conversas com Paulo Portas não satisfizeram por completo Cavaco Silva. O primeiro-ministro não apresentou em Belém os termos do novo acordo de coligação, por isso o Presidente não poderia tomar uma decisão de- Unitiva sem conhecer “as condições” para que a estabilidade governativa. Pedro Passos Coelho adiantou ainda aos jornalistas ter-se comprometido com “o senhor dr. Paulo Portas, que é presidente do CDS-PP, a encontrar a melhor formula de garantir, tão rapidamente quanto possível perante o País, a solução para esta situação”.
“Da minha parte, devo dizer ao País que, como primeiro-ministro, tudo farei para garantir as condições que são necessárias para que o Governo prossiga o seu trabalho em condições, como é obrigatório e patriótico, para conseguir cumprir o programa de assistência económica e financeira, garantir o regresso de Portugal a mercados, ainda que de forma apoiada, como todos esperamos, e conseguir que os esforços e sacrifícios realizados até hoje pelos portugueses possam ser premiados”, disse o primeiro-ministro.
Horas antes da reunião em Belém, Pedro Passos Coelho e Paulo Portas estiveram frente a frente para mais uma reunião de relançamento da coligação. Ao mesmo tempo que decorria o encontro, a TVI avançava com um eventual convite feito pelo primeiro-ministro a Portas para este subir a vice-primeiro-ministro na hierarquia do Governo. Alertado pelos seus colaboradores, o líder do CDS-PP terá mesmo ameaçado abandonar a reunião, considerando que a origem de tal notícia seriam pessoas próximas de Passos Coelho. O clima de tensão entre Paulo Portas e Passos Coelho não é de agora. Ainda há poucas semanas, o semanário Expresso adiantou que ambos os líderes “mal se falavam”. E ontem, em conversa com o DN, um destacado deputado do CDS, instado a comentar a atitude do líder em pedir a demissão, foi claro: “Há pessoas que só percebem as coisas à bruta”, referindo-se ao facto de Paulo Portas quase ter sido obrigado a bater com a Porta para que Passos Coelho começasse a levar em conta as opiniões do CDS no que diz respeito à orgânica de governo e às políticas.
Socialistas observam ao longe
A assistir à turbulência na coligação está o PS. Ontem, os socialistas reuniram a Comissão Política Nacional para debater “o estado do País” e a crise governativa dos últimos dois dias, desencadeada pela demissão de Paulo Portas de ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, segundo adiantou à Lusa uma fonte socialista. A Comissão Política do PS foi convocada na terça-feira pelo secretário-geral socialista após a demissão de Vítor Gaspar de ministro das Finanças e de António José Seguro ter pedido uma audiência com caráter de urgência ao Presidente da República.
Já na quarta-feira, após um encontro de mais de uma hora com o Chefe do Estado, no Palácio de Belém, o líder do PS criticou “a atitude profundamente irresponsável” do Governo e defendeu a realização de eleições legislativas antecipadas a 29 de setembro, o mesmo dia das autárquicas. Porém, António José Seguro está convencido de que Cavaco Silva só dará esse passo por sua iniciativa como o último dos últimos recursos ou caso o Governo perca a maioria parlamentar. Segundo um dirigente próximo de António José Seguro, o PS “não vai contribuir em nada para a crise, mas, sim, demonstrar que somos uma alternativa credivel e estamos preparados para assumir as nossas responsabilidades”.
Presidente entre o pós-troika’ e os partidos da oposição
Belém. Presidente manteve a sua agenda virada para o futuro. Hoje reúne economistas para falar do crescimento do País. E só segunda-feira começa a ouvir os partidos
PAULA SÁ
No meio da crise política, que ainda está para resolver entre PSD e CDS, o Presidente da República mantém a sua agenda. Hoje promove um encontro com economistas para discutir o período pós-troika e perspetivas de crescimento económico.
Esta também é uma forma de o Presidente da República dar o sinal de que o futuro do País se sobrepõe aos problemas políticos de momento. A preocupação é também dar um sinal para o exterior, nomeadamente para os mercados que estiveram tão agitados nos últimos dias por causa da situação política nacional, de que há empenho nas instituições de pensar a trajetória de crescimento económico para o País. No encontro denominado “Portugal no período pós-troika”, que será aberto pelo Chefe do Estado, intervêm na abertura o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, e o diretor-geral dos Assuntos Económicos e Financeiros da Comissão Europeia, Marco Buti. Neste encontro, que se realiza no Auditório do Palácio de Belém, estarão presentes economistas de “várias escolas de pensamento” de todas as universidades portuguesas, de empresas e da Comissão Europeia.
Nos últimos meses, o Presidente da República tem procurado abordar o tema nas mais altas instâncias europeias e mesmo internamente tem sido um dos assuntos dominantes das suas intervenções. Cavaco Silva promoveu recentemente reuniões com responsáveis políticos europeus e especialistas na área da economia, nacionais e estrangeiros.
O encontro de hoje permite também passar para o exterior a mensagem de que Portugal já está a equacionar o caminho após o ajustamento financeiro imposto pela troika e que tem provocado uma forte recessão no País.
Partidos em Belém
Dos economistas, Cavaco Silva faz uma pausa no fim de semana e será, certamente, um espectador atento do congresso do CDS, caso este se realize mesmo (ver texto pág. 2), o que poderá acontecer ainda sem que a “fórmula” de uma nova coligação esteja encontrada entre Passos Coelho e Paulo Portas.
Segunda-feira, o PR começa então a primeira ronda de contactos com os partidos com assento parlamentar para os ouvir sobre a crise política e até quarta-feira deve ouvir mais algumas personalidades sobre o mesmo assunto.
O Presidente começa na segunda-feira por três partidos à esquerda, os Verdes, o Bloco e o PCP, e todos eles defendem a queda do Governo e eleições legislativas antecipadas. No dia seguinte deve ouvir os restantes partidos com assento parlamentar, incluindo o PS, apesar de ter ouvido na quarta-feira o líder do PS defender em Belém a mesma antecipação das eleições legislativas, que entende deveriam coincidir com data das eleições autárquicas, a 29 de setembro. Na melhor das hipóteses, Cavaco Silva só deverá pronunciar-se sobre a crise política dos últimos dias a partir deqúarta-feira.
AUDIÊNCIAS
Seguro na quarta, Passos na quinta
O Presidente recebeu António José Seguro na quarta-feira, depois de o secretário-geral do PS lhe ter pedido uma audiência de urgência por causa da demissão de Paulo Portas. À saída de Belém, Seguro defendeu eleições antecipadas, um cenário que já vinha a reclamar mesmo antes da crise no Governo. Ontem o Presidente manteve a agenda habitual das quintas-feiras e recebeu o primeiro-ministro, que levava um único ponto de agenda: a crise na coligação.
OPINIÃO
Astros e equídeos
No fim do Conselho de Ministros de ontem, Marques Guedes tinha importantes declarações a fazer. Informou-nos que o Governo tinha aprovado novas regras para a classificação dos equídeos e, respondendo a perguntas dos jornalistas sobre a actual solução política, falou sobre astrologia. Afinal, ainda há alguém no Governo que consegue dizer alguma coisa que faça sentido. Mais, sabemos que alguém ainda está a governar, talvez existam assuntos mais importantes do que a classificação equídea mas não se pode pedir muito mais. Sim, talvez num momento em que assistimos à exibição da mais profunda incompetência e do maior desprezo pelos cidadãos por parte de umas pessoas que de políticos só têm o cartão e de governantes só têm a bandeirinha na lapela, tentar um sorriso não seja o mais recomendado.
Sim, talvez sorrir não seja a melhor opção quando precisamos de estabilidade e o Governo é o maior agente de instabilidade; quando um primeiro-ministro de um Governo de coligação e em circunstâncias terríveis se comporta como alguém que com a saída do verdadeiro chefe precisa de afirmar a sua autoridade; quando um ministro de Estado um dia diz que a sua presença no Governo é politicamente insustentável e um acto de dissimulação e no outro dia negoceia a sua permanência no Governo ou a do partido que lidera ou um simples apoio parlamentar que seja. Sorrir é capaz de não ser apropriado quando as instituições não estão a funcionar regularmente e a instituição que tem de assegurar o bom funcionamento das outras ainda consegue levantar a hipótese de manter este Governo que exibe este penoso espectáculo a que assistimos envergonhados.
Mas talvez, como cantava o Cartola, seja melhor sorrir para não chorar.
Diário Notícias | Sexta, 05 Julho 2013
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