Cavaco
Silva usou o poder da palavra que tantos pediram nos últimos meses, foi mais
claro do que nunca, sem ambiguidades, mas rompeu, de vez, com a possibilidade
de um consenso político em Portugal
Cavaco
Silva usou o poder da palavra que tantos pediram nos últimos meses, foi mais
claro do que nunca, sem ambiguidades, mas rompeu, de vez, com a possibilidade
de um consenso político em Portugal, e passou a ser, desde ontem, para o bem e
para o mal, co-responsável pela condução da política económica e financeira do
Governo. Acertou na economia, mas falhou na política.
O Presidente da República tem sido muito criticado por refugiar-se no Palácio de Belém nos momentos mais tensos do País, particularmente por parte de António José Seguro e dos partidos da Oposição. Hoje, teriam preferido que Cavaco continuasse a ser um Presidente ausente em parte incerta. Cavaco decidiu, ao contrário, romper com o silêncio e a Oposição não gostou, porque apostava na continuação da tese da ‘espiral recessiva' que o Presidente tinha ‘anunciado' no início do ano.
O discurso de Cavaco Silva nos 39 anos do 25 de Abril e da Democracia - uma celebração que já tinha perdido, no ano passado, a capacidade de unir todos - foi seco e sem perda de palavras, como poucos que fez. Não foi um tradicional discurso de consenso, apesar das exigências que se colocam ao País nos próximos anos.
A análise do Presidente da República é, genericamente, certeira e clarificadora sobre o que se passou nos últimos dois anos e sobre a execução do programa de ajustamento, as suas virtudes e defeitos. Mais ainda, sobre o que está para vir depois de Julho de 2014 e da desejável saída da ‘troika' de Portugal, das exigências de redução do défice e dos necessários consensos. Por enquanto, vivemos à conta de financiamento da ‘troika', mas, com eleições antecipadas, vamos directos para um segundo resgate.
Cavaco só peca por defeito na protecção ao ministro das Finanças relativamente aos erros de previsão e aos desvios de alguns dos indicadores económico-financeiros e sociais que não têm apenas a ‘assinatura' da ‘troika'. O memorando não apontava para estes níveis de aumento de impostos, uma opção seguida por Passos Coelho e Gaspar, porque é mais difícil cortar na despesa pública e reformar, mesmo, o Estado. Uma estratégia que trouxe mais recessão e mais desemprego do que o necessário.
Oproblema é que este discurso não ficará para a história pela qualidade da análise económica, mas pela urgência política. Se Cavaco tivesse alinhado pelas teses do PS e da ‘rua', se tivesse encostado o Governo às cordas, recuperaria o país que há muito está afastado de si. Foi pelo caminho mais difícil, surpreendentemente, sem poupar nas palavras. Mas nem sequer as críticas aos líderes europeus e a exigência de que o Governo acelere o plano económico, assuntos caros a Seguro, permitirão reconstruir as pontes com o PS, as pontes que, ainda recentemente, nos roteiros, Cavaco sublinhava da sua própria acção política.
Cavaco Silva percebeu a urgência do país, que não é clara, como se vê no debate político, e discursou em conformidade, sem se esconder por detrás de formalismos. Mas quando todos pedem consensos, a forma encontrada pelo Presidente para pressionar o PSvai necessariamente obrigar o líder da Oposição a radicalizar o seu discurso.
Cavaco Silva deixou de ser, definitivamente, o Presidente de todos os portugueses. Passos Coelho e Paulo Portas deverão ter ficado, igualmente, surpreendidos com a clareza de Cavaco, que os ultrapassou pela direita. E preocupados com as suas consequências. A principal virtude da intervenção do Presidente - já deveria ter sido tão claro como foi ontem - é, ao mesmo tempo, o seu principal defeito. Agora, já não é apenas o Governo que está dependente de Cavaco Silva e da sua disponibilidade para o suportar, é o Presidente, a partir de hoje, que está agarrado ao Governo e ao sucesso e insucesso das suas políticas. Nunca a afirmação "uma maioria, um Governo, um Presidente" foi tão verdadeira.
Diário Económico 26-4-2013
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