sábado, 23 de fevereiro de 2013

CANAL LIVRE: A PGR e a Justiça


por JOÃO MARCELINO

1- A saída de Cândida Almeida do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), que investiga a grande criminalidade, não deveria ser uma notícia que causasse tanta surpresa. Depois de 12 anos num cargo público de tamanha importância, o surpreendente seria que fosse reconduzida. A rotação nos cargos, após o tempo suficiente para questionar rotinas e instalar novos métodos, deveria ser uma regra geral na sociedade - e não apenas para o pessoal político.
Não me parece, portanto, que faça algum sentido a "surpresa", para já não falar de um aparente nervosismo, que se apoderou de alguns sectores, sobretudo na área da "Justiça", depois da decisão da procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, de iniciar o processo de substituição de Cândida Almeida.
2- Mais relevante é a notícia, associada, de que Cândida Almeida e outros dois magistrados, Rosário Teixeira e Paulo Gonçalves, vão ser alvo de um inquérito por suspeitas de fuga de informação. Em causa está uma notícia publicada pelo Expresso, intitulada "Processo de Angola vai acelerar", que relatava encontros de Joana Marques Vidal com elementos da investigação ao caso de suspeitas de branqueamento de capitais por parte de altos dirigentes angolanos.
Também aqui não pode deixar de se aplaudir a iniciativa da PGR. Se, num caso específico qualquer, um alto responsável do aparelho da Justiça procura inteirar-se de uma qualquer investigação em curso e isso acaba imediatamente no domínio público, é óbvio que o sistema tem uma falha - e que esta precisa de ser reparada.
A Justiça em Portugal foi durante muitos anos um castelo de opacidade. Mesmo depois do 25 de Abril, e durante muitos anos, nada se tirava dali - e os cidadãos, naturalmente, desconfiavam.
Com o correr dos anos, nomeadamente depois do processo Casa Pia, passou-se do 8 ao 80: transformou-se num enorme queijo suíço, recheado de buracos, onde fermentaram demasiados interesses - e os cidadãos, de novo mal defendidos, não passaram a desconfiar menos.
Se Joana Marques Vidal vem com a intenção de remediar este mal merece, de novo, todo o apoio. Está na hora de impedir, na fonte, as fugas de informação selecionadas que muitas vezes julgam pessoas e instituições antes de tempo e sem lhes dar qualquer possibilidade de defesa. Uma Justiça digna desse nome não viola de forma sistemática, e criminosa, o seu segredo mais precioso.
3- Só o tempo ajudará a desvanecer as inevitáveis suspeitas, sobretudo políticas, que, a propósito destas duas decisões da PGR, agora se levantam. Cabe a Joana Marques Vidal dissipá-las, com coerência, tomando decisões técnicas e profissionais, não dando argumentos a quem sempre procura encontrar rasto de intriga e controlo político em todo o edifício judicial; e afrontando a crítica, que se irá seguir, sobretudo nos meios que se especializaram em ganhar dinheiro com o negócio do tráfico da informação judicial.
Portugal precisa de muita coisa, mas igualmente de uma Justiça liberta das corporações secretas e dos interesses partidários que há muito a procuram sistematicamente sujeitar. Os últimos anos têm trazido alguma evolução positiva, é justo reconhecê-lo, mas ainda estamos longe de um estado ideal. A investigação precisa de mais independência e igualmente de mais meios. Joana Marques Vidal terá começado agora, de forma mais percetível para a opinião pública, a atuar nesse sentido. Pois que seja bem-vinda.
Os moralistas que agora fazem de Relvas um mártir da Democracia podem, a seguir, defender que os portugueses que pedem faturas em nomes de pessoas com responsabilidades governativas devem ser deportados e antes até agrilhoadas em galés, como vulgares criminosos de outrora. O Portugal bem comportadinho, penteadinho, afinal sempre existe e tem insuspeitos defensores. "O Povo" é para levar e calar! Mas que insuportável cheiro a enxofre!
Diário de Notícias, 23-02-2013

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