Desde a sua fundação, o Tribunal Constitucional já produziu 25.057 acórdãos e decisões. Mas só um punhado ficou na lembrança. Estes são alguns
Criado há 30 anos, na sequência da revisão constitucional de 1982, que pôs termo ao Conselho da Revolução e à Comissão Constitucional que o assessorava nesse campo, o Tribunal Constitucional é considerado "o primeiro dos tribunais", o mais político de todos, desde logo porque o seu objeto é aplicar a Constituição, que organiza o poder político. É isso, e todavia está à parte dos outros.
A Constituição reconhece-lhe esse estatuto, com uma organização particular (a eleição pela Assembleia da República de 10 dos seus 13 juízes), independente da estrutura judiciária.
Nos antípodas do que se pode considerar um tribunal de "ativismo jurídico" — pelo contrário, os académicos veem-no como "tímido" e pouco ousado na interpretação das normas —, o facto não o impede de ter consolidado jurisprudência em numerosas matérias. É o caso dos direitos fundamentais, garantindo o modelo de Estado social de Direito tal como tem existido e contribuindo para "um modelo equilibrado de freios e contrapesos que tem conferido estabilidade ao sistema", tal como disse Carlos Blanco de Morais. Para além da repercussão mediática, alguns dos seus acórdãos fizeram história.
1. ABORTO
O primeiro deles refere-se à interrupção voluntária da gravidez (R/G). O tribunal debruçou-se sobre o tema várias vezes, em acórdãos sucessivos desde 1984, tendo optado sempre pela constitucionalidade da sua despenalização e dos referendos. Questão dita fraturante quando pela primeira vez é abordada, provocou sérias divisões entre os juizes.
O facto não os impediu de votar maioritariamente a favor (por um voto), precisamente o do relator, que todavia fez ressalva das suas "convicções morais, filosóficas e religiosas" e apontou "dúvidas insuperáveis e cruciantes".
2. CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO
O tribunal pronunciou-se sobre o tema em 2010, num processo de fiscalização preventiva a pedido do Presidente da República, que não escondia as suas reservas.
O coletivo de juízes decidiu-se a favor da não inconstitucionalidade, tendo em conta "a existência na comunidade jurídica de perspetivas diferenciadas e pontos de vista díspares e não coincidentes sobre as decorrências ou implicações que de um princípio 'aberto' da Constituição devem retirar-se".
3. INVESTIGAÇÃO DA PATERNIDADE
É o supremo "direito à identidade pessoal" e a constituir família que está em causa, disse o tribunal, ao julgar inconstitucional, em 2004, uma norma do Código Civil que previa a extinção do direito de investigar a paternidade a partir dos 20 anos de idade. A promoção do valor da pessoa e da sua autodefinição inclui, inevitavelmente, o conhecimento das origens genéricas e culturais — a Constituição consagra o "direito ao desenvolvimento da personalidade" e não é excessivo dizer-se que ele "pesa" mais do lado do filho", escreveu o relator, Paulo Mota Pinto.
4. ASSISTÊNCIA NO DESEMPREGO
É um dos oito acórdãos de inconstitucionalidade por omissão, uma figura que caiu em desuso — o tribunal constata a existência de uma imposição constitucional que obriga o legislador. Foi o que fez, em 2002, a propósito da assistência no desemprego, incluindo os da Administração Pública, obrigando à existência de uma prestação específica no âmbito da segurança social.
5. FP-25
A amnistia a alguns membros das Forças Populares 25 de Abril, em 1998, pelo então Presidente Mário Soares foi contestada e objeto de um acórdão, que concluiu todavia pela sua conformidade com a Constituição. O tribunal considerou que se tratava de uma "amnistia pacificadora", aplicada a casos passados, que de modo algum tinha "ligação lógica" com a ideologia das chamadas FP-25.
6. ORÇAMENTO DO ESTADO
Por duas vezes, nos dois últimos anos, o tribunal decidiu sobre normas do Orçamento do Estado (2011 e 2012). Com fundamentações diversas e a respeito de cortes salariais aos trabalhadores da função pública, decidiu, porém, em sentido oposto. No primeiro acórdão, validou a constitucionalidade das normas orçamentais que previam o corte de salários daqueles trabalhadores, considerando que essa era "uma forma legítima e necessária, dentro do contexto vigente, de reduzir o peso da despesa do Estado, com a finalidade de reequilíbrio orçamental".
No segundo acórdão (OE 2012), declarou a inconstitucionalidade da suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, sem todavia impor a aplicação dos efeitos de tal decisão.
Expresso, 23-02-2013
Sem comentários:
Enviar um comentário