Está
aberta a frente de batalha que a banca receava: um juiz de Portalegre julgou
que a entrega da casa liquidaria toda a dívida ao banco. A sentença, transitada
em julgado, é definitiva e ameaça criar jurisprudência em Portugal, onde 70% de
todo o endividamento dos particulares, ou seja, cerca de cento e vinte mil
milhões de euros, se refere somente a crédito à habitação (fonte: Banco de
Portugal). Ora, a decisão do juiz de Portalegre, numa altura em que as entregas
de casas aos bancos quase duplicaram face ao ano passado, é extraordinária.
Mais ainda tendo em conta que a taxa de incumprimento no crédito à habitação
continua a ser reduzida, quando comparada com a taxa de incumprimento noutras
modalidades de crédito. Dito isto, a sentença colocou Portugal a par daquilo
que se pratica noutros países – nos Estados Unidos, na Alemanha e, agora, até
na nossa vizinha Espanha.
O
problema é que durante anos a banca nacional concedeu crédito à habitação de
forma quase indiscriminada. As avaliações aos imóveis eram generosas. E o
volume de crédito concedido mais generoso ainda. Dava para comprar casa,
mobília e automóvel – com aparente conforto. Em consequência, também em
Portugal se gerou uma bolha estrutural no mercado imobiliário, observável na
relação entre o valor dos imóveis e os rendimentos anuais dos agregados
familiares. O múltiplo em Portugal, utilizando como referência de cálculo os
valores publicados pelo INE, é hoje de sete a oito vezes, sendo que em teoria
se recomenda aos compradores um múltiplo não superior a quatro.
Sem
surpresa, assistimos hoje ao endividamento, não menos estrutural, das famílias
portuguesas que, a exemplo do Estado, também têm agora de reestruturar as suas
dívidas para poderem começar de novo. Quanto aos bancos, é bom não esquecer,
têm para já doze mil milhões de euros da ‘troika’ destinados ao reforço dos
seus capitais.
Mas
regressando a Portalegre, no enquadramento actual não existe qualquer garantia
quanto à independência da avaliação de um imóvel e seu valor de mercado quando,
no limite – como sucedeu em Portalegre -, é o próprio banco credor que, tendo
encomendado a avaliação e organizado a venda, compra também o imóvel. Segundo,
não existindo qualquer garantia naquele sentido, é também de questionar se
haverá algum interesse do banco em chegar a um acordo de interesse mútuo, em
especial, se ao mesmo tempo se admitir como aceitável o direito de recurso
sobre todo o património e rendimentos do devedor. Assim, para além da
jurisprudência agora inaugurada, é necessário actuar sobre os mecanismos de
avaliação e venda imobiliária. E uma ideia seria a criação de um leilão
electrónico aplicado a todas as casas devolvidas, centralizado junto do Banco
de Portugal ao jeito do que o Fisco faz com a venda de bens penhorados, onde
todos os investidores (nacionais e estrangeiros, particulares e institucionais)
fossem bem-vindos. Eliminar-se-iam conflitos de interesses, abusos de direito,
e adoptar-se-ia uma solução de mercado: justa, 1007o transparente e, acima de
tudo, líquida. Com uma vantagem adicional: sendo os preços do imobiliário em
Portugal excessivos para o bolso da maioria dos portugueses são, apesar de
tudo, nominalmente apetecíveis para o bolso dos estrangeiros.
Ricardo
Arroja – Economista
Diário
Económico 2012-05-02
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