quarta-feira, 2 de maio de 2012


A justiça civil, com as acções de cobrança de dívidas à cabeça, continua a ser a principal responsável pela sobrecarga (Manuel Roberto)
Os tribunais de primeira instância tinham no final do ano passado o maior número de processos por concluir dos últimos 15 anos, ou seja, 1.701.673 processos pendentes.
O número significa um aumento de 2,2 % nas pendências face a 2010, um agravamento explicado, segundo a Direcção-Geral da Política da Justiça (DGPJ), por um crescimento de 7,7% de processos entrados nos tribunais, que receberam mais de 722 mil acções em 2011. A justiça civil, com as acções de cobrança de dívidas à cabeça, continua a ser a principal responsável pela sobrecarga.
O panorama traçado pelos dados, ainda provisórios, da DGPJ parece contrariar o balanço positivo que a Comissão Europeia fez no início de Abril da aplicação do memorando da troika na Justiça, que estipulou que as pendências excessivas devem ficar resolvidas até ao segundo trimestre de 2013 e precisava que, de um universo de 90 mil processos, já tinham sido resolvidos 50 mil.
O presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Mouraz Lopes, considera estes dados muito importantes e incita o Ministério da Justiça a divulgar os números com mais pormenor. "Não pode haver reformas como a do mapa judiciário se não forem divulgados dados fiáveis das pendências", afirma Mouraz Lopes, que lamenta que a acção executiva continue a contribuir para a imagem do mau funcionamento da Justiça. 
Conceição Gomes, do Observatório Permanente da Justiça, concorda que é necessária uma análise "mais fina" da realidade. Quanto à acção executiva, a investigadora diz que é fundamental perceber onde continuam os bloqueios e recorda que muitos processos ficam pendentes durante anos apenas porque está a ser feito o pagamento das dívidas. 
"O sistema de justiça apresenta desempenhos muito diferentes de tribunal para tribunal. No entanto, no geral, continua com níveis de ineficiência elevados", lamenta Conceição Gomes. A investigadora sustenta que a organização e a gestão do sistema são a sua principal fragilidade e lamenta que, no século XXI, os tribunais funcionem "basicamente como há 30 ou 40 anos". "Hoje temos computadores, telemóveis, uma rede viária moderna e outras expectativas e exigências, mas pouco se mudou na forma como o sistema se correlaciona com os cidadãos", realça.
Em 2011, os processos cíveis representavam cerca de 69% das acções entradas, o que significa um ligeiro agravamento do seu peso face ao ano anterior. E cresceram oito pontos percentuais face a 2010. Os processos penais e os laborais também subiram nesse ano, mas numa proporção bastante menos significativa. 
Nas boas notícias há a realçar um aumento de 12,2% dos processos findos que, mesmo assim, não chegou para impedir o aumento de processos ainda sem decisão final. A taxa de resolução processual, que mede a capacidade do sistema para enfrentar a procura verificada num determinado ano, foi em 2011 de 95,2%, o que significa uma melhoria face aos 91,4% verificados no ano anterior. 
Uma análise dos últimos 15 anos mostra uma alteração profunda na realidade dos tribunais. Em 1996 estavam pendentes na primeira instância 850 mil processos, um número que cinco anos mais tarde, em 2001, já superava os 1,2 milhões. No ano passado os processos pendentes atingiam os 1,7 milhões, duplicando as acções existentes 15 anos antes. 
A evolução da taxa de resolução é diferente. Em 1996, a taxa ficava-se pelos 80%, tendo crescido até 2000, ano em que esteve perto de atingir os 100%. Nesse ano começou a descer até 2005 e voltou a crescer de 2006 a 2008, anos em que se conseguiu uma recuperação processual de várias dezenas de milhares de processos. No ano seguinte voltaram a acumular-se cerca de cem mil processos, um número que no ano passado se ficou pelos 37 mil.
Mariana Oliveira
Público 02.05.2012

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