terça-feira, 6 de novembro de 2012

Dados da Saúde e da Justiça podem ir para privados

ESTUDO A Comissão de Proteção de Dados alerta para o facto de o estudo sobre a guarda por empresa privada dos arquivos do Estado incluir a Saúde e a Justiça. PS e PCP chamam Miguel Relvas.

'Privatização' de dados leva Relvas ao Parlamento
Polémica. A Comissão de Proteção de Dados diz que estão em causa não só os documentos classificados mas toda a informação dos cidadãos, da saúde às questões de justiça ou às finanças

VALENTINA MARCELINO

Os maiores partidos da oposição, PS e PCP, pediram uma audição, com carácter de urgência, ao ministro adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, sobre a estratégia do Governo que defende a centralização das bases de dados de toda a administração pública (AP) numa empresa privada. Socialistas e comunistas consideram "muito grave" e "preocupante" que o Governo admita essa possibilidade e exigem que a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) acompanhe o processo.

A CNPD olhou "com apreensão" a notícia do DN e confirma não ter sido consultada. Fonte oficial assinala "que não estão em causa apenas as matérias classificadas, mas todo um vastíssimo conjunto de informação universal de todos os cidadãos do País, desde as bases de dados das polícias, da saúde, das finanças, do registo civil. Pôr essa informação nas mãos de terceiros é extremamente preocupante!". A CNPD adverte ainda para os riscos da cloud com base em estudos internacionais (ver caixa em baixo).

Em causa está um plano que o Governo tem em curso para racionalizar as despesas com as tecnologias de informação e comunicações (TIC) do Estado, poupando cerca de 500 milhões de euros. Foi nomeado para o efeito um Grupo de Projeto para as TIC (ver constituição ao lado), na tutela de Miguel Relvas. Conforme o DN noticiou ontem, o relatório que define a estratégia para os arquivos do Estado (ao lado) não exclui nenhum ministério ou entidade pública, admitindo também a migração para uma estrutura tecnológica privada - a "computação em nuvem", ou cloud computing - de documentos classificados, como os que estão em segredo de Estado.

Para a deputada independente, eleita pelo PS, Isabel Moreira - que teve a iniciativa de chamar Relvas ao Parlamento -, "a ser verdade, estamos perante uma privatização da soberania nacional e a colocar em perigo um amplo conjunto de princípios constitucionais e comunitários, o que seria de uma extrema gravidade". Sublinha que o PS "não coloca qualquer reserva à evolução do sistema informático", mas, disse ao DN, "o que é absolutamente dilemático é que essa infraestrutura seja concebida e entregue a privados, que passariam a prestar um serviço ao Estado, quando esse mesmo serviço deve ser do Estado". A sua colega de bancada, Isabel Oneto, quer também saber "quem definiu os parâmetros do estudo que chega a uma conclusão destas" questionando "como sequer passou pela cabeça de alguém com responsabilidades entregar a privados bases de dados da AP?". A deputada critica o facto de a CNPD não ter sido consultada, sublinhando que esta entidade "tem de acompanhar todo o processo das bases de dados do Estado ao milímetro".

O PCP indica preocupações semelhantes para exigir explicações a Miguel Relvas. "Como é óbvio, existem no âmbito de diversos ministérios bases de dados de enorme sensibilidade e secretismo. Basta pensar nas bases de dados do SIRP (que se encontram, por força da lei, ao abrigo do segredo de Estado), nas bases de dados relativas à investigação criminal, ou nas bases de dados que contenham dados relativos à saúde de pessoas individualmente referenciadas", diz no requerimento entregue ontem. António Filipe assinala ainda que "logo há partida há um problema de inconstitucionalidade", uma vez que "não há garantia que a interconexão dos dados esteja devidamente protegida".

VEM NO ESTUDO ARRANQUE

> Segundo o documento, "a Presidência do Conselho de Ministros (PCM) está a proceder a um levantamento faseado dos centros de dados, sistemas e função informática na administração pública a todos os organismos de administração direta e indireta do Estado e do sector empresarial (Projeto EAGLE).

PRIMEIRA FASE

> "Numa primeira fase", está crito, "já se encontra realizado ao nível da PCM, do Ministério da Administração Interna, do Ministério da Educação e Ciência e do Ministério da Saúde.

CLASSIFICAÇÃO

> Numa matriz em que são avaliados os três cenários em estudo, a opção pela cloud é considerada "admissível" e "preferencial" para guardar documentos classificados.

CALENDÁRIO

> O cronograma apresentado indica o prazo de "36 meses", a contar do segundo trimestre de 2013, para estar concluída a migração para a "nuvem" das bases de dados. Como "medida transitória" indica que "entre outubro de 2012 e junho de 2013" não podem "ser construídos novos centros de dados" e os contratos devem ter a "duração máxima de 8 meses a 1 ano".

QUEM É QUEM EQUIPA

> O Grupo de Projeto para as Tecnologias da Informação e Comunicações (GPTIC) tem a seguinte constituição:

COMITÉ EXECUTIVO

> Neste grupo operacional está Marta Sousa, representante do primeiro-ministro, Sílvia Gonçalves, do gabinete do ministro dos Assuntos Parlamentares, e Madalena Travisco, do Ministério das Finanças.

COMITÉ TÉCNICO

> Este grupo é constituído por Paulo Neves, da Agência para a Modernização Administrativa, Gonçalo Caseiro, da Entidade de Serviços Partilhados, e Manuel Honorato, do Centro de Gestão da Rede Informática do Governo.

CONSELHO CONSULTIVO

> Além do catedrático José Tribolet, este conselho tem também os professores Maria Manuel Leitão, João Carvalho, e dois académicos de universidades suíças.
Diário de Notícias 6 de Novembro de 2012

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