Ante as expressões mais agudas da
“crise”, não tardará a acicatar-se, ainda mais furioso, o circo político e
jurídico-mediático já instalado
António Cluny*
1. A forma
como muitos portugueses, de condição diversa e de cultura e ideias políticas
distintas, vão encarar os próximos tempos é, naturalmente, uma incógnita.
As convulsões
e as contradições sociais e políticas são inevitáveis, e tenderão a agudizar-se
se não se configurarem, para a “crise” que governa os seus destinos,
alternativas imediatas e adequadas a patamares e valores civilizacionais que os
tempos de hoje exigem e que a nossa Constituição consagra. 2.0 fogo cerrado
sobre as magistraturas voltou entretanto a recrudescer: alimenta-se de erros
próprios, mas mais ainda do temor de que estas possam afinal vir a desempenhar
o imprescindível papel de garante dos direitos constitucionais.
Apesar dos
“caudilhismos” de recorte terceiro-mundista que vingaram entretanto nas
lideranças de algumas das magistraturas – e sobrevivem mais boçais ainda
noutras profissões judiciárias -, a verdade é que os magistrados portugueses
têm conseguido, em geral, preservar o essencial do seu mister: a independência.
O regresso da
magistratura a tempos de normalidade, de discrição, de estudo, de conhecimento
e de trabalho efectivo e isento parece de nada servir afinal para circunscrever
esse fogo.
Ante as
expressões mais agudas da “crise”, não tardará a acicatar-se, ainda mais
furioso, o circo político e jurídico-mediático já instalado. Este tem servido,
e dilata oportunamente, sempre que é necessário deslegitimar qualquer
intervenção da justiça que se não limite a visar e conter os “zés-ninguéns”
desta terra.
3. Com o mesmo
objectivo, vai intensificar-se – inapelavelmente – a campanha contra o
associativismo judiciário. Quem o faz sabe, mas quer fazer esquecer, que o
movimento associativo judiciário – com carácter sindical ou não – está
enraizado em toda a Europa e é reconhecido e apoiado pelas instituições
europeias, com as quais colabora regularmente.
É, não por
acaso, nos países de democracias mais antigas que esse movimento assume, aliás,
um forte carácter sindical: por exemplo na França, na Alemanha e na Bélgica.
Com mais ou
menos hesitações, ingenuidades e inclusive alguns desacertos, mas acima de tudo
quase sempre, com esclarecido sentido de responsabilidade, o movimento
associativo judiciário português tem desempenhado um papel relevante na
detecção das insuficiências do sistema de justiça e no alerta da cidadania para
as tentativas da sua manipulação.
Alguns dos
seus erros, designadamente os do uso -já ultrapassado, de resto – de discursos
que lhe eram tradicionalmente alheios, resultaram, ainda assim, da necessidade
de dar uma resposta cortante aos ataques que, de dentro e de fora, foram
estrategicamente lançados para destruir a isenção e a capacidade de intervenção
da justiça: “partir-lhe a espinha”.
Por sempre ter
denunciado as ingerências de todo o tipo e quadrantes, o associativismo
judiciário é pois odiado por todos os serventuários dos interesses que
conduziram à “crise” e dela vivem.
4. A força e a
sustentação do movimento associativo judicial resultaram sempre, todavia, da
sua capacidade de se rever nos problemas da cidadania e, com as naturais
especificidades estatutárias, de se saber associar à expressão do sofrimento
dos cidadãos.
Hoje,
porventura mais do que outras missões, caberá às associações de magistrados
alertar os seus associados para a necessidade de compreender a legitimidade
democrática das iniciativas cidadãs, do mesmo modo que, com razão, querem ver
compreendidas e respeitadas as próprias.
*Jurista e
presidente da MEDEL Escreve à terça-feira
i
6 Novembro 2012
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