sexta-feira, 12 de outubro de 2012

O mandato da nova procuradora-geral da República


Francisco Teixeira da Mota
Escrever direito
Joana Marques Vidal é, pelo que se diz e pelo que conheço, uma pessoa excelente e uma excelente profissional. Cabe no perfil traçado pela ministra da Justiça – uma pessoa que ” o Ministério Público (MP) – e também não tenho dúvidas que preenche o requisito da dedicação à comunidade. Mas serão estas qualidades as necessárias e suficientes para o cargo que passa hoje a ocupar?
A resposta não é fácil de encontrar porque não podemos nem cair na visão messiânica – uma pessoa excelente um excelente trabalho seja onde for, nem na visão cínica – por melhor que a seja, o sistema existente não lhe vai permitir fazer seja o que for. Há comportamentos e atitudes que, evidentemente, convém evitar: dar entrevistas à saída de uma qualquer reunião ou à entrada de uma qualquer viatura. Responder a perguntas sem saber do que está a falar, muito provavelmente porque não lhe foi transmitida informação actualizada. E há coisas que deve fazer: quando falar, dizer coisas substanciais e concisas. Para isso, parece-me, precisa de ter mais informação do que tem sido habitual fornecer ao procurador-geral da República. É necessário que a Procuradoria-Geral, que mais não é do que o órgão superior do MP, e o próprio MP, isto é, o conjunto dos procuradores adjuntos, procuradores e procuradores-gerais adjuntos, funcionem como um corpo só, permitindo a circulação da informação e uma actuação consistente. O que não é fácil.
Os poderes do procurador-geral têm contornos difusos e Joana Marques Vidal poderá fazer alguma diferença em relação ao passado, assumindo, sem receios, uma maior capacidade de controlo e de direcção dos seus colegas. Tem a nova procuradorageral o que creio ser uma vantagem: a sua passagem pelo sindicalismo do MP. Para além da sua experiência profissional, conhece a realidade humana do MP e isso é um conhecimento importante para poder dirigi-lo. É certo que se pode recear que o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, depois das guerras com Pinto Monteiro, queira agora tomar o poder. Mas estou em crer que, pelo menos durante um certo tempo, o bom senso imperará. O anterior confronto era insuportável, creio que para todos.
Uma das evoluções positivas que a nova procuradora-geral poderia promover no funcionamento do MP seria a de os magistrados que deduzem acusação nos processos-crime passarem a ser, de forma sistemática, as mesmas pessoas que lutam por essa acusação em sede de julgamento, o que actualmente só acontece de forma ocasional. Será difícil e complexo. Mas é necessário. Para isso, terá Joana Marques Vidal de conquistar o MP para essa mudança, estruturando-a de forma a ser feita com o empenhamento da maioria. Faz toda a diferença a acusação ser protagonizada no julgamento pelo magistrado que interrogou testemunhas e arguidos e efectuou as mais diversas diligências durante o inquérito ou por alguém que só conhece as folhas do processo.
Pessoalmente creio que esta mudança se vier a ocorrer – redundará em benefício da qualidade e prestígio do MP, já que da mesma resultaria uma prática de visibilidade e de prestação de contas perante o sistema de justiça e a sociedade.
É nesta relação com a justiça e a sociedade que Joana Marques Vidal vai ter de ser afirmar, já que entrou num círculo superior do poder, onde terá que conviver e, eventualmente, confrontar-se com os diversos poderes políticos, económicos ou outros. E o poder, como é sabido, é sedutor, intoxicante e viciante. A nível interno, a nova procuradora-geral será rodeada de mordomias, mesuras e “yes men” que criam um espesso e reconfortante, mas perigoso, nevoeiro. Terá, pois, que estar muito atenta. Mas é nas relações com os poderes exteriores ao Palácio Palmela que terá de mostrar as suas capacidades e qualidades.
Terá de saber tratar com os diversos poderes sociais, políticos e económicos não de uma forma confrontacional, mas também sem excessos de cumplicidades. Terá de saber ser circunspecta como, muito provavelmente, aconselharia Rui Epifânio, um sábio procurador-geral adjunto. Vivemos tempos perigosos: por um lado, a falta de ética de alguns poderosos e dos seus apaniguados, bem como a impunidade de que desfrutam têm vindo a corroer a credibilidade da democracia, por outro lado, o empobrecimento generalizado dos cidadãos e as medidas que se anunciam para 2013 fazem crescer o risco de revoltas e confrontos sociais. Por último, as capacidades tecnológicas de invasão da privacidade estão a criar um Estado cada vez mais perigosamente omnipresente.
Tudo o que vimos e não vimos, até hoje, nos recomenda o maior pessimismo.
A nova procuradora-geral corre o risco de, durante o seu mandato, ter de tomar decisões de um enorme melindre e terá, então, de estar à altura dos desafios numa permanente defesa da legalidade democrática, como lhe compete. Advogado. Escreve à sexta-feira ftmota@netcabo.pt
Público de 12 Outubro 2012

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