Francisco Teixeira da Mota
Escrever
direito
Joana Marques
Vidal é, pelo que se diz e pelo que conheço, uma pessoa excelente e uma
excelente profissional. Cabe no perfil traçado pela ministra da Justiça – uma
pessoa que ” o Ministério Público (MP) – e também não tenho dúvidas que
preenche o requisito da dedicação à comunidade. Mas serão estas qualidades as
necessárias e suficientes para o cargo que passa hoje a ocupar?
A resposta não
é fácil de encontrar porque não podemos nem cair na visão messiânica – uma
pessoa excelente um excelente trabalho seja onde for, nem na visão cínica – por
melhor que a seja, o sistema existente não lhe vai permitir fazer seja o que
for. Há comportamentos e atitudes que, evidentemente, convém evitar: dar
entrevistas à saída de uma qualquer reunião ou à entrada de uma qualquer
viatura. Responder a perguntas sem saber do que está a falar, muito
provavelmente porque não lhe foi transmitida informação actualizada. E há
coisas que deve fazer: quando falar, dizer coisas substanciais e concisas. Para
isso, parece-me, precisa de ter mais informação do que tem sido habitual
fornecer ao procurador-geral da República. É necessário que a
Procuradoria-Geral, que mais não é do que o órgão superior do MP, e o próprio
MP, isto é, o conjunto dos procuradores adjuntos, procuradores e
procuradores-gerais adjuntos, funcionem como um corpo só, permitindo a
circulação da informação e uma actuação consistente. O que não é fácil.
Os poderes do
procurador-geral têm contornos difusos e Joana Marques Vidal poderá fazer
alguma diferença em relação ao passado, assumindo, sem receios, uma maior
capacidade de controlo e de direcção dos seus colegas. Tem a nova
procuradorageral o que creio ser uma vantagem: a sua passagem pelo sindicalismo
do MP. Para além da sua experiência profissional, conhece a realidade humana do
MP e isso é um conhecimento importante para poder dirigi-lo. É certo que se
pode recear que o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, depois das
guerras com Pinto Monteiro, queira agora tomar o poder. Mas estou em crer que,
pelo menos durante um certo tempo, o bom senso imperará. O anterior confronto
era insuportável, creio que para todos.
Uma das
evoluções positivas que a nova procuradora-geral poderia promover no
funcionamento do MP seria a de os magistrados que deduzem acusação nos
processos-crime passarem a ser, de forma sistemática, as mesmas pessoas que
lutam por essa acusação em sede de julgamento, o que actualmente só acontece de
forma ocasional. Será difícil e complexo. Mas é necessário. Para isso, terá
Joana Marques Vidal de conquistar o MP para essa mudança, estruturando-a de
forma a ser feita com o empenhamento da maioria. Faz toda a diferença a
acusação ser protagonizada no julgamento pelo magistrado que interrogou
testemunhas e arguidos e efectuou as mais diversas diligências durante o
inquérito ou por alguém que só conhece as folhas do processo.
Pessoalmente
creio que esta mudança se vier a ocorrer – redundará em benefício da qualidade
e prestígio do MP, já que da mesma resultaria uma prática de visibilidade e de
prestação de contas perante o sistema de justiça e a sociedade.
É nesta
relação com a justiça e a sociedade que Joana Marques Vidal vai ter de ser
afirmar, já que entrou num círculo superior do poder, onde terá que conviver e,
eventualmente, confrontar-se com os diversos poderes políticos, económicos ou
outros. E o poder, como é sabido, é sedutor, intoxicante e viciante. A nível
interno, a nova procuradora-geral será rodeada de mordomias, mesuras e “yes
men” que criam um espesso e reconfortante, mas perigoso, nevoeiro. Terá, pois,
que estar muito atenta. Mas é nas relações com os poderes exteriores ao Palácio
Palmela que terá de mostrar as suas capacidades e qualidades.
Terá de saber
tratar com os diversos poderes sociais, políticos e económicos não de uma forma
confrontacional, mas também sem excessos de cumplicidades. Terá de saber ser
circunspecta como, muito provavelmente, aconselharia Rui Epifânio, um sábio
procurador-geral adjunto. Vivemos tempos perigosos: por um lado, a falta de
ética de alguns poderosos e dos seus apaniguados, bem como a impunidade de que
desfrutam têm vindo a corroer a credibilidade da democracia, por outro lado, o
empobrecimento generalizado dos cidadãos e as medidas que se anunciam para 2013
fazem crescer o risco de revoltas e confrontos sociais. Por último, as
capacidades tecnológicas de invasão da privacidade estão a criar um Estado cada
vez mais perigosamente omnipresente.
Tudo o que
vimos e não vimos, até hoje, nos recomenda o maior pessimismo.
A nova
procuradora-geral corre o risco de, durante o seu mandato, ter de tomar
decisões de um enorme melindre e terá, então, de estar à altura dos desafios
numa permanente defesa da legalidade democrática, como lhe compete. Advogado.
Escreve à sexta-feira ftmota@netcabo.pt
Público de 12 Outubro 2012
Sem comentários:
Enviar um comentário