Pinto Monteiro falou do perigo da
“politização” da PGR. Com as escutas a Passos, o aviso requer reflexão
O problema não
está nos mensageiros nem nas mensagens que os leitores dos jornais hão-de ler e
avaliar de acordo com o seu próprio juízo. O problema, e há um problema, está
na crescente convicção de que o sistema judicial parece ter abandonado o
princípio da separação dos poderes para se converter num actor político. As
escutas a Miguel Relvas e a Passos Coelho no âmbito do caso não são por si só o
indício de um crime, mas o relato da sua existência ajuda os cidadãos a
perceber como certos círculos de influência se movimentam em torno dos seus legítimos
interesses e como se faz o processo de decisão nos grandes negócios do Estado.
O problema não
está por isso nas notícias (apesar do absurdo jurídico que as responsabiliza
pela violação do segredo de Justiça), mas no receio de que quem as revela possa
estar a exercer um poder em função de interesses corporativos. O caso não é
novo e basta lembrar que, numa das suas últimas entrevistas, o
ex-procuradorgeral da República considerou que o principal problema do
Ministério Público está na sua excessiva politização, defeito que Pinto
Monteiro reconheceu não ter sido capaz de resolver. O problema está também no
facto de haver magistrados judiciais que condenam opções políticas como o
Orçamento com base em análises políticas, sem a devida ponderação da matéria de
direito. Depois de tudo o que aconteceu com José Sócrates e do desfecho de
inúmeras escutas, indícios ou suspeitas, era bom que todos os magistrados
fossem contidos na revelação de matérias cobertas pelo segredo de Justiça.
Os jornalistas
não deixarão de revelar todas as diligências processuais que envolvam os
governantes, mas o papel da imprensa nem sempre coincide com o papel das
magistraturas. A divulgação de peças de um processo em fase de inquérito dá uma
boa notícia, mas não serve para ilustrar o papel crucial que os agentes
judiciais desempenham numa democracia a sério.
Áquila e um
sismo na justiça italiana
Três anos
depois do terrível sismo de Áquila, um outro sismo ocorreu ontem em Itália e
foi judicial. Bernardo de Bernardinis, então vice-director do Departamento de
Protecção Civil, e seis cientistas foram condenados a seis anos de prisão por
terem subestimado os riscos do tremor de terra que levou à morte 309 pessoas. É
verdade que Bernardinis os subestimou: aos jornalistas que lhe perguntaram, na
altura, se podiam relaxar e “beber um bom copo de vinho”, respondeu
“absolutamente”. Mas Bernardinis é um político, não um cientista, e os
políticos costumam servir-se dos cientistas para justificarem actos movidos por
tudo menos pela ciência.
Bernardinis
quis “sossegar” a população e falhou, cometendo, ainda que involuntariamente,
um crime. Mas para os cientistas, chamados ao local para cumprirem a sua
missão, esta pena é de uma severidade sem precedentes. A dor de Áquila não
devia aplacar-se com sentenças assim nem com bodes expiatórios.
Público,
23 Outubro 2012
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