A luta contra a “corrupção” não pode, decisivamente, ser “politicamente neutra”, como a pura resposta penal aparentemente pressupõe
1. Quando se fala de “corrupção”, a atenção e o escândalo dos portugueses centram-se, no essencial, nos elevados montantes de dinheiros públicos desviados para duvidosos negócios realizados pelo (ou com apoio) do Estado.
A “corrupção”, para a qual a justiça não dá suficiente resposta, reside no facto de os actualmente insuportáveis impostos que pagam não chegarem para custear os serviços públicos, que a Constituição prevê, enquanto financiam negócios obscuros, cuja utilidade, proveito e controlo escapam a todos.
Aí, mais do que nas pouco relevantes situações julgadas na jurisdição penal, situa-se a “percepção popular” e a verdade da grave “corrupção” que assola o país.
2. Da escolha privilegiada da resposta penal à corrupção, pese embora o entusiasmo de alguns políticos e jornalistas, a ingenuidade de alguns magistrados e a fé de alguns polícias, resultaram até agora muita demagogia, algum protagonismo fútil e, afinal, poucos sucessos.
A luta contra a “corrupção” não pode, decisivamente, ser “politicamente neutra”, como a pura resposta penal aparentemente pressupõe.
Uma política empenhada na luta contra a “corrupção” deve dirigir-se, sobretudo e por isso, ao controlo da qualidade e da transparência da despesa (e das receitas extraordinárias) e à responsabilização efectiva pela gestão dos dinheiros públicos.
3. Algumas sugestões simples:
- Devolução à administração pública de uma “carreira” e de um estatuto funcional que favoreçam a qualificação, a isenção e a autonomia técnica dos seus funcionários e agentes. Só isso permitirá que estes emitam (e devam fazê-lo) pareceres obrigatórios prévios sobre a despesa (ou receitas extraordinárias) que atinjam valores relevantes;
- Apuramento dos preceitos legais relativos à responsabilização financeira dos titulares dos cargos políticos, quando decidirem, contra ou sem pareceres (obrigatórios) por parte dos competentes organismos da administração pública, e causarem, por isso, dano ao Estado;
- Responsabilização financeira dos funcionários e agentes que, livre e conscientemente, tenham emitido pareceres obrigatórios favoráveis à despesa (ou receitas extraordinárias) e que estejam na base de posteriores decisões políticas causadoras de dano ao Estado;
- Responsabilização financeira das próprias pessoas colectivas privadas que, de algum modo ou a qualquer título, usem ou administrem dinheiros públicos contra a lei ou com fim diferente do que lhes estava destinado, causando assim danos patrimoniais ao Estado. Esta opção implica ainda um aperfeiçoamento da previsão das infracções financeiras.
- Alargamento do âmbito do visto prévio do Tribunal de Contas – mesmo que só a nível de parecer não vinculativo – ao controlo da economia, da eficácia e da eficiência dos actos e contratos geradores de despesa e receita relevante. Caberia depois à tutela das entidades responsáveis o ónus de prosseguir tais despesas contra a orientação e aviso do TC. No caso de dano ou derrapagem da despesa, deveria considerar-se, subsequentemente, a concretização legal de mais uma situação de responsabilização financeira.
Só clarificando e delimitando mais rigorosamente os níveis de responsabilidade dos decisores – e de quem oficialmente os deva aconselhar –, se contribui de forma decisiva para a prevenção deste tipo de “corrupção”, que é hoje a mais grave para o país e que a legislação penal não pode acautelar, nem impedir.
Os que verdadeiramente sofrem a “crise” exigem-no.
Jurista e presidente da MEDEL
Sem comentários:
Enviar um comentário