quarta-feira, 18 de abril de 2012

A manipulação de um Estado de Direito

Os fortes ganharão sempre aos fracos, os ricos terão sempre mais poder que os pobres, os porcos de Orwell que escrevem nas ombreiras das portas mandarão sempre nos animais que pasmam e não sabem ler. Sim, as coisas são o que são. Mas escusam de ser pior. A nomeação dos novos juizes para o Tribunal Constitucional é um assunto muito sério. E grave. E nosso. A nomeação de juizes para o Constitucional é partidária, sempre foi e nunca devia ter sido.
Os nomes agora propostos pelo PSD, pelo PP e pelo PS (Paulo Saragoça da Matta, Fátima Mata Mouros e José Conde Rodrigues) podiam, portanto, parecer apenas partidarizados como sempre, o que nos levaria a debater ou não a forma de constituição do tribunal. Mas o que está em causa hoje é outra coisa. É a suspeita de uma escolha à medida das políticas de austeridade do Governo.
Não está em causa a competência técnica de qualquer dos nomes. Nem a sua seriedade. Mas está o seu fraco currículo para um tribunal que noutros países democráticos é o Olimpo dos juristas – em respeitabilidade, independência e poder. Como é o caso dos Estados Unidos. Como é o caso da Alemanha, onde Angela Merkel respeita a possibilidade de chumbo do seu tribunal a resgates a países.
É de resgate que estamos a falar. Eis a vaca fria: o Constitucional estaria prestes a chumbar a mãe de todas as medidas da austeridade, o corte dos subsídios da Função Pública. E estas escolhas podem ter sido feitas à medida, para inverter essa calamidade política. Não porque os escolhidos sejam manipuláveis. Mas por saber-se o que pensam. E terem sido escolhidos em função disso. E isso sim será manipulação.
A suspeita é grave e recai em quem escolheu, não em quem foi escolhido. Desde o ano passado que se duvida da constitucionalidade da medida. Cavaco Silva duvidou, sempre preferiu um imposto extraordinário, sobre todos, do que esta suspensão dos subsídios. O Constitucional, que aprovou o corte de 5% em nome dos tempos extraordinários, logo avisou que também essa aprovação era excepcional. Mas depois do corte de 5% veio o dos subsídios. E havia o risco real da medida ser chumbada. E depois era uma calamidade política.
Uma calamidade é melhor que o caos. Se o corte de subsídios fosse considerado inconstitucional, o Governo teria uma enorme derrota e precisaria de reiniciar um processo de austeridade alternativa, que provavelmente passaria pela reedição do imposto extraordinário de IRS. Mais uma “metade” do subsídio de Natal. Como Cavaco sempre preferiu. O desgaste político seria enorme. A consolidação voltaria a ser feita pelo aumento de receita, não pelo corte de despesa. Mas seria a lei. “Dura lex sed lex”, não é assim?
Como aqui escreveu Elisabete Miranda em Janeiro (em Janeiro!), “ter medo da Constituição é menorizar as instituições e infantilizar os cidadãos”. A crise está a esboroar a credibilidade das instituições. Uma frase mal dita arruinou a imagem de um Presidente, uma caçada maldita expôs o ridículo de um monarca. E como escreveu Pedro Lomba no “Público”, “estão a ‘abandalhar’ o Tribunal Constitucional”. A lei é o que nos separa do caos, o que nos protege da iniquidade, é o melhor esforço humano para perseguir a justiça. Sem o Estado de Direito não há Estado, há “Far West”. A lei é o que defende o forte do fraco, nivela o poder do rico e do pobre, e mesmo que falhe na decisão entre o mal e o bem, é o que separa o certo do errado. E está escrito. Na lei. Na Constituição. Mesmo que seja inconveniente. Ou inoportuno. As indicações para o Constitucional permitem a especulação de que os partidos do acordo da troika querem influenciar a aprovação da medida que, de outra forma, seria chumbada. Pobre Constituição. Pobre tribunal. Será verdade que, como escrevia ontem o “Público”, um outro juiz, Jorge Reis Novais, terá declinado o convite por falta de qualidade dos seus pares? Não sabemos. Talvez outros juizes devessem ter o absurdo de consciência de Groucho Marx, que não quis entrar num clube que aceitasse pessoas como ele. Mas ninguém se incomoda. Nem no Parlamento. Nem na Presidência. Nem mesmo os demais juizes – ou apresentariam a sua demissão.
Pedro Santos Guerreiro, Director Jornal Negócios de 18-04-2012

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