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Mas enfim, vim para Lisboa! Numa época, porém, tão má, que o Governo, por causa do ultimatum da Inglaterra (ultimatum de 11 de Janeiro de 1890), vira-se obrigado a promulgar em ditadura não só decretos violentíssimos, restritivos das liberdades públicas, mas inclusivamente tribunais especiais para aplicar esses decretos – e eu era colocado precisamente no mais antipático desses tribunais e no papel de mais antipático: ficava a meu cargo, entre outras funções, a de fiscalizar oficialmente a imprensa de Lisboa, que o mais violento daqueles decretos esmagava!
Mas o dever nunca me pesou, e eu apliquei a lei – serenamente mas inflexivelmente!
Era a lei, e era o meu dever, embora árduo: respeitei aquela e cumpri este.
Está claro que fui muito atacado; mas, pessoalmente, os próprios jornalistas processados davam-se comigo como Deus com os anjos, e eu não lhes levava a mal que me atacassem – e até gostava, porque era uma maneira indirecta de atacar a lei, a que o público chamava a «lei das rolhas», porque arrolhava a boca dos jornalistas, chamando-lhes também outros «a mordaça...»
Durou isto dois largos anos, em que ao mesmo tempo caí a fundo sobre certos banqueiros que tinham enriquecido à custa dos pobres, arruinando Bancos em proveito deles.
Mas o resultado desta campanha, por ser com gente poderosa (banqueiros, políticos, usurários!) foi a extinção do tribunal onde eu funcionava; e eu fiquei sem colocação – e no dia, o primeiro de toda a minha vida, em que me vi sem trabalho, escrevi as páginas mais tristes que têm saído da minha pena e que conservo inéditas... Estava sem colocação – embora bem visto pela opinião pública, e até pelo próprio Governo!
Mandaram-me depois para um tribunal exclusivamente fiscal (cobrança coerciva de impostos em dívida); mas a minha vida, com 34 mil réis por mês (170 francos), foi mais horrorosa do que nunca, e minha mulher chegou a adoecer de tristeza gravemente...
Fui então à África, defender 33 desgraçados que lá estavam numa cadeia, infamemente perseguidos pela política, e lá estive longos, três infinitos meses, retirando-me depois de os deixar todos em liberdade, e absolvidos, e na cadeia todos os perseguidores poderosos desses desgraçados – mais de 30! Não obstante não ter pedido senão que me pagassem a viagem e as despesas de alimentação, deram-me mil libras (22 mil francos!) e, regressando a Lisboa, ainda voltei para o tribunal fiscal; – fui depois colocado em Sintra, a uma hora de Lisboa, onde ia duas vezes por semana – finalmente, em Novembro de 1895, colocado no tribunal onde eu hoje estou – porque o juiz que o Governo ali desejava (o actual presidente da Câmara dos Deputados) exigiu a minha nomeação para lá como condição para aceitar a dele – por ser esse tribunal, como é ainda hoje, o mais grave e o mais trabalhoso...
Trindade Coelho, «Autobiografia», in Os Meus Amores
Mas enfim, vim para Lisboa! Numa época, porém, tão má, que o Governo, por causa do ultimatum da Inglaterra (ultimatum de 11 de Janeiro de 1890), vira-se obrigado a promulgar em ditadura não só decretos violentíssimos, restritivos das liberdades públicas, mas inclusivamente tribunais especiais para aplicar esses decretos – e eu era colocado precisamente no mais antipático desses tribunais e no papel de mais antipático: ficava a meu cargo, entre outras funções, a de fiscalizar oficialmente a imprensa de Lisboa, que o mais violento daqueles decretos esmagava!
Mas o dever nunca me pesou, e eu apliquei a lei – serenamente mas inflexivelmente!
Era a lei, e era o meu dever, embora árduo: respeitei aquela e cumpri este.
Está claro que fui muito atacado; mas, pessoalmente, os próprios jornalistas processados davam-se comigo como Deus com os anjos, e eu não lhes levava a mal que me atacassem – e até gostava, porque era uma maneira indirecta de atacar a lei, a que o público chamava a «lei das rolhas», porque arrolhava a boca dos jornalistas, chamando-lhes também outros «a mordaça...»
Durou isto dois largos anos, em que ao mesmo tempo caí a fundo sobre certos banqueiros que tinham enriquecido à custa dos pobres, arruinando Bancos em proveito deles.
Mas o resultado desta campanha, por ser com gente poderosa (banqueiros, políticos, usurários!) foi a extinção do tribunal onde eu funcionava; e eu fiquei sem colocação – e no dia, o primeiro de toda a minha vida, em que me vi sem trabalho, escrevi as páginas mais tristes que têm saído da minha pena e que conservo inéditas... Estava sem colocação – embora bem visto pela opinião pública, e até pelo próprio Governo!
Mandaram-me depois para um tribunal exclusivamente fiscal (cobrança coerciva de impostos em dívida); mas a minha vida, com 34 mil réis por mês (170 francos), foi mais horrorosa do que nunca, e minha mulher chegou a adoecer de tristeza gravemente...
Fui então à África, defender 33 desgraçados que lá estavam numa cadeia, infamemente perseguidos pela política, e lá estive longos, três infinitos meses, retirando-me depois de os deixar todos em liberdade, e absolvidos, e na cadeia todos os perseguidores poderosos desses desgraçados – mais de 30! Não obstante não ter pedido senão que me pagassem a viagem e as despesas de alimentação, deram-me mil libras (22 mil francos!) e, regressando a Lisboa, ainda voltei para o tribunal fiscal; – fui depois colocado em Sintra, a uma hora de Lisboa, onde ia duas vezes por semana – finalmente, em Novembro de 1895, colocado no tribunal onde eu hoje estou – porque o juiz que o Governo ali desejava (o actual presidente da Câmara dos Deputados) exigiu a minha nomeação para lá como condição para aceitar a dele – por ser esse tribunal, como é ainda hoje, o mais grave e o mais trabalhoso...
Trindade Coelho, «Autobiografia», in Os Meus Amores
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