quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Trindade Coelho e o direito (VII)

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Mas adiante, adiante.
Aquele trabalho violento durante largo tempo, prostrou-me! Um esgotamento nervoso (a que já me referi) teve-me paralisado durante meses, em atroz doença de que supus me não resgataria e em que a vida me pareceu toda uma mentira e só a verdade a tristeza e a negação – menos a Deus, em que eu pus sempre toda a minha esperança. Oh! o que eu sofri!
Mas um largo descanso fora de Lisboa, no campo, restituiu-me as forças e essa confiança em mim que eu perdera de todo, porque cheguei a convencer-me de que nunca mais escreveria uma palavra e ao mesmo tempo a odiar os livros, eu que só entre livros vivia bem, e com a minha pena! Vivia e vivo, porque eu quase não conheço os homens senão de vista (e de longe) e só com os rapazes me sei dar, e sou no meio deles um rapaz – e dizem que muito alegre... Eugénio de Castro definiu-me assim num jornal, em quatro palavras que só no elogio são inexactas:
«Transmontano. Pequenino mas tesinho. Alegre como uma romaria. A sua voz é um adufe ao som do qual os seus olhos bailam. Vigoroso e sadio física e literariamente. A sua prosa é máscula: prosa com músculos e sangue. Prefere os assuntos simples aos assuntos complicados. Ao longo dos seus contos não se alastram óxidos de almas difíceis, nem se emaranham filigranas de raras psicologias. No meio dos modernos livros, os seus livros são como ingénuos colegiais entre viciosas pessoas.»
Mas essa crise nervosa de que falo acima é a fase mais angustiosa da minha vida: durante meses eu fui o inverso de tudo aquilo: daquela energia, daquele vigor, daquela saúde; e todo eu amoleci numa grande tristeza, numa ternura infinita feita de lágrimas e de piedade por todas as dores, angustiosa, fatal, inconsolável! Supus-me perdido para todo o sempre; e agora, quando olho para trás, esses meses de longo martírio, de que me ficaram na memória todas as minúcias, parecem-me na minha vida uma montanha escura, atrás da qual fica o meu passado...
Mas graças a Deus ressurgi, e mais vigoroso do que nunca! Passei a ver a vida por um aspecto mais positivo – e nesse meu passado alvejam sepulturas de ilusões que lá ficaram, e uma entre todas atrai os meus olhos ainda hoje: a da Justiça que eu supunha existir... Mas não falemos nisto.
Trindade Coelho, «Autobiografia», in Os Meus Amores

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