terça-feira, 23 de abril de 2013

Qualquer inquérito deve basear-se em documentos originais, defendem juízes

PÚBLICO - 10/01/2012 - 00:00
Figueiredo Dias, professor de Direito Penal, diz que "do ponto de vista jurídico" não há nenhum problema em investigar sem acesso a originais. António Martins, presidente da ASJP, defende o contrário
Não comentam casos concretos, mas estão ambos de acordo com esta ideia: "Em qualquer investigação, se estamos a apurar a veracidade de um facto, e se esse facto é atestado por documentos, é óbvio que se deve ter como base os documentos originais." Quem o diz é António Martins, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP). Rui Rangel, presidente da direcção da Associação de Juízes pela Cidadania, concorda.
Mas Rangel vai mais longe: basear um inquérito na análise de fotocópias seria "um procedimento anormal, estranho" e "contrário a tudo o que se aprende na faculdade". E acrescenta: "O Ministério Público tem o poder e o dever de requerer os originais."
Foi em Março de 2007, no auge da polémica sobre a forma como José Sócrates tinha obtido a licenciatura em Engenharia Civil pela Universidade Independente, que o procurador-geral da República encarregou a coordenadora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), Cândida Almeida, de fazer uma espécie de auditoria jurídica aos documentos que certificavam a passagem daquele aluno de engenheiro técnico a licenciado.
O processo, que implicava uma análise do processo escolar do então primeiro-ministro, incluindo os critérios de equivalências e as provas a que fora sujeito, decorreria independentemente da investigação dos crimes relacionados com a gestão daquela universidade privada - e que estão actualmente a ser julgados no Tribunal de Monsanto.
Meses depois, a 31 de Julho, o inquérito era arquivado. Num comunicado assinado por Cândida Almeida e pela procuradora adjunta Carla Dias, explicava-se que, analisados "os elementos de prova", não se tinha verificado "a prática de crime de falsificação de documento autêntico, na modalidade de falsidade em documento", ou de "uso de documento autêntico falso", envolvendo a obtenção daquele grau académico por parte de Sócrates.
O mesmo texto explicava que tinham sido realizadas 29 diligências, entre as quais a recolha de documentos provenientes de várias entidades.
Depois disso, uma cópia do processo ficou arquivada no Tribunal de Instrução Criminal. E os documentos que foram analisados no seu âmbito estão na Direcção-Geral do Ensino Superior (DGES). Ontem, o PÚBLICO consultou a documentação apreendida na Universidade Independente, e entretanto entregue à DGES, após o arquivamento do processo. E encontrou fotocópias.
Se para Rui Rangel "é um dever do Ministério Público (MP) instruir qualquer processo com base em documentos originais", porque "com fotocópias nunca se consegue perceber se estamos perante um documento autêntico ou não e documentos autênticos é que fazem fé em juízo", já o professor catedrático de Direito Penal, Figueiredo Dias (na foto), não vê qualquer problema. "Do ponto de vista jurídico não levanta nenhum problema" haver uma investigação com base em fotocópias, "salvo se houver uma dúvida fundada sobre a autenticidade" das mesmas.
António Martins tem opinião distinta. Se o que está a ser investigado pelo MP pode envolver um crime de falsificação, é ainda mais evidente "que se tem que ir buscar os documentos originais".A.S./J.A.C.

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