terça-feira, 23 de abril de 2013

DCIAP diz que trabalhou com documentos oficiais, não diz se eram originais

JOSÉ ANTÓNIO CEREJO E ANDREIA SANCHES 
PÚBLICO - 10/01/2012 - 00:00
Documentos relativos à licenciatura de José Sócrates apreendidos pela PJ e analisados pela procuradora Cândida Almeida são fotocópias
Fotocópias, apenas fotocópias. E uma delas alterada em relação ao original. Esta poderá ter sido a principal base documental do inquérito judicial que concluiu, em 2007, não ter havido qualquer ilegalidade, nomeadamente falsificação, na forma como José Sócrates obteve o grau de licenciado em engenharia civil. O Departamento de Investigação e Acção Penal (DCIAP), onde correu o inquérito, não esclarece se trabalhou com originais ou com cópias, mas faz saber que eram "documentos oficiais".
Magistrados ontem ouvidos pelo PÚBLICO, no pressuposto de que os documentos investigados eram fotocópias, são unânimes: ninguém investiga falsificações a partir de fotocópias.
Levantada no final de Novembro - após a divulgação dos originais do processo individual de José Sócrates na Universidade Independente (UnI), que estão na posse do seu antigo vice-reitor Rui Verde -, a suspeita sobre a natureza das peças desse processo que foram apreendidas pela Polícia Judiciária na UnI e usadas pelo DCIAP foi ontem confirmada pelo PÚBLICO na Direcção-Geral do Ensino Superior (DGES). Trata-se exclusivamente de fotocópias. Já os processos individuais de oito outros antigos alunos da UnI, arquivados no mesmo dossier da DGES, são compostos essencialmente por documentos originais, com fotografias dos alunos, selos brancos, timbres a cores, selos fiscais colados, assinaturas com tinta e outros elementos que mostram não se tratar de fotocópias. Todos estes processos, incluindo o de Armando Vara, foram apreendidos na extinta universidade em 10 de Maio de 2007 e fazem parte do Apêndice 4 dos autos do inquérito que foi dirigido e mandado arquivar pela procuradora-geral adjunta Cândida Almeida, directora do DCIAP.
Solicitada pelo PÚBLICO, no final de Novembro passado, a esclarecer se o processo individual do antigo primeiro-ministro que tinha analisado na fase de inquérito era composto por originais ou por fotocópias, Cândida Almeida respondeu apenas que "os documentos que serviram de base à investigação e ao despacho de arquivamento encontram-se juntos ao processo", que é "passível de consulta" no Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa.
O que está no tribunal, porém, não são os documentos apreciados pelo DCIAP e apreendidos na UnI, entre os quais o Apêndice 4, mas certidões dos mesmos, constituídas por fotocópias cuja conformidade com os que foram investigados é certificada pelo próprio tribunal.
Os documentos apreendidos, esses, foram remetidos pela juíza, por proposta da directora do DCIAP e após a decisão de arquivamento dos autos, à DGES. Na sua proposta de envio daquele e outros apêndices à direcção-geral, com extracção das certidões que ficaram no processo, Cândida Almeida escreve, em Abril de 2008, que na fase de inquérito "foi apreendida diversa documentação original" e que, tendo em conta o facto de a UnI ter sido extinta, devem "os originais ser remetidos à DGES".
Foi aí que o PÚBLICO ontem consultou o processo individual de Sócrates, confirmando integralmente a suspeita levantada por Rui Verde. O que lá está são apenas fotocópias dos documentos que Verde tem na sua posse há vários anos e garante ter guardado antes da ida da PJ à UnI em 2007. O antigo vice-reitor, que os reproduziu no livroO Processo 95385 - Como Sócrates e o poder político destruíram uma universidade, mostrou-os ao PÚBLICO em Novembro, contendo eles todas as características de documentos originais.
Um destes documentos é a pauta da disciplina de Inglês Técnico (ver reprodução em baixo) que está preenchida a azul no original e que não tem a assinatura do professor. Já a fotocópia aprendida pela PJ, ao contrário de todos os outros documentos do mesmo processo individual, tem a assinatura do reitor da UnI, a tinta azul. Este foi o documento cuja cópia foi distribuída aos jornalistas pela UnI, com autorização de José Sócrates, em Março de 2007.
A posição do DCIAP
Rui Verde afirma que guardou o processo de Sócrates antes de ser preso pela PJ - na véspera do dia em que o PÚBLICO, em Março de 2007, revelou na imprensa as condições anormais em que Sócrates tinha obtido a licenciatura - por se considerar fiel depositário dos mesmos, devido às funções que ocupava na universidade. O antigo vice-reitor está há vários meses, juntamente com outros 23 arguidos, a ser julgado em Monsanto sob a acusação de numerosos crimes alegadamente praticados na gestão da UnI (ver texto ao lado).
O PÚBLICO confrontou ontem Cândida Almeida com a informação de que o Apêndice 4 é formado por fotocópias e questionou a magistrada sobre o facto de essa ter sido a base do seu trabalho. Em resposta o DCIAP produziu uma nota, transmitida telefonicamente ao fim do dia, onde afirma: "Durante a fase de investigação o DCIAP solicitou à entidade competente, a DGES, a remessa, a título devolutivo, do dossier da UnI relativo ao licenciado José Sócrates tendo sido enviados ao DCIAP os documentos que aquela universidade havia remetido àquela entidade nos termos da lei após o encerramento da Universidade. Foram esses documentos oficiais, remetidos por aquela direcção-geral, que foram tidos em conta na investigação que decorreu termos no DCIAP"
Sem falar em originais ou fotocópias, mas apenas em "documentos oficiais", e sem fazer qualquer alusão aos processos individuais apreendidos pela PJ, o DCIAP invoca agora uma nova fonte documental, a DGES, que lhe enviou o "dossier do aluno" (processo individual) recebido da UnI após o encerrramento da universidade.
Esta explicação esbarra com duas datas essenciais que são as seguintes: o despacho ministerial que determina o encerramento da UnI é de 2 de Agosto de 2007 e a despacho em que Cândida Almeida ordena o arquivamento do inquérito tem data de 31 de Julho do mesmo ano. Por outro lado, o despacho ministerial diz expressamente que a DGES "fica encarregue da guarda da documentação fundamental da UnI, após auto de entrega da mesma" pelos responsáveis do estabelecimento "a efectuar em 31 de Janeiro de 2008".
No seu despacho de 2 de Agosto, o então ministro Mariano Gago faz referência a "providências oportunamente tomadas", nomeadamente no que respeita à preservação dos dados do "percurso escolar dos alunos", que poderiam confirmar a possibilidade de a DGES ter o "dossier do aluno" Sócrates na sua posse, para o enviar ao DCIAP, antes de este arquivar os autos. O mesmo despacho, esclarece todavia que as providências em causa, relativamente à salvaguarda dos interesses dos alunos, consistiram na realização pela Inspecção Geral do Ensino Superior de "cópia actualizada das bases de dados do percurso académico e do programa que permite aceder à mesma". Ou seja: tratou-se de informação recolhida em suporte informático, não se sabendo se obtida a partir de originais ou de fotocópias.

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