PÚBLICO
- 10/01/2012 - 00:00
Documentos relativos à licenciatura de José Sócrates apreendidos
pela PJ e analisados pela procuradora Cândida Almeida são fotocópias
Fotocópias, apenas
fotocópias. E uma delas alterada em relação ao original. Esta poderá ter sido a
principal base documental do inquérito judicial que concluiu, em 2007, não ter
havido qualquer ilegalidade, nomeadamente falsificação, na forma como José
Sócrates obteve o grau de licenciado em engenharia civil. O Departamento de
Investigação e Acção Penal (DCIAP), onde correu o inquérito, não esclarece se
trabalhou com originais ou com cópias, mas faz saber que eram "documentos
oficiais".
Magistrados ontem ouvidos
pelo PÚBLICO, no pressuposto de que os documentos investigados eram fotocópias,
são unânimes: ninguém investiga falsificações a partir de fotocópias.
Levantada no final de
Novembro - após a divulgação dos originais do processo individual de José
Sócrates na Universidade Independente (UnI), que estão na posse do seu antigo
vice-reitor Rui Verde -, a suspeita sobre a natureza das peças desse processo
que foram apreendidas pela Polícia Judiciária na UnI e usadas pelo DCIAP foi
ontem confirmada pelo PÚBLICO na Direcção-Geral do Ensino Superior (DGES).
Trata-se exclusivamente de fotocópias. Já os processos individuais de oito
outros antigos alunos da UnI, arquivados no mesmo dossier da DGES, são
compostos essencialmente por documentos originais, com fotografias dos alunos,
selos brancos, timbres a cores, selos fiscais colados, assinaturas com tinta e
outros elementos que mostram não se tratar de fotocópias. Todos estes
processos, incluindo o de Armando Vara, foram apreendidos na extinta
universidade em 10 de Maio de 2007 e fazem parte do Apêndice 4 dos autos do
inquérito que foi dirigido e mandado arquivar pela procuradora-geral adjunta
Cândida Almeida, directora do DCIAP.
Solicitada pelo PÚBLICO, no
final de Novembro passado, a esclarecer se o processo individual do antigo
primeiro-ministro que tinha analisado na fase de inquérito era composto por
originais ou por fotocópias, Cândida Almeida respondeu apenas que "os
documentos que serviram de base à investigação e ao despacho de arquivamento
encontram-se juntos ao processo", que é "passível de consulta"
no Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa.
O que está no tribunal,
porém, não são os documentos apreciados pelo DCIAP e apreendidos na UnI, entre
os quais o Apêndice 4, mas certidões dos mesmos, constituídas por fotocópias
cuja conformidade com os que foram investigados é certificada pelo próprio
tribunal.
Os documentos apreendidos,
esses, foram remetidos pela juíza, por proposta da directora do DCIAP e após a
decisão de arquivamento dos autos, à DGES. Na sua proposta de envio daquele e
outros apêndices à direcção-geral, com extracção das certidões que ficaram no
processo, Cândida Almeida escreve, em Abril de 2008, que na fase de inquérito
"foi apreendida diversa documentação original" e que, tendo em conta
o facto de a UnI ter sido extinta, devem "os originais ser remetidos à
DGES".
Foi aí que o PÚBLICO ontem
consultou o processo individual de Sócrates, confirmando integralmente a
suspeita levantada por Rui Verde. O que lá está são apenas fotocópias dos
documentos que Verde tem na sua posse há vários anos e garante ter guardado
antes da ida da PJ à UnI em 2007. O antigo vice-reitor, que os reproduziu no
livroO Processo 95385 - Como Sócrates e o poder político destruíram uma
universidade, mostrou-os ao PÚBLICO em Novembro, contendo eles todas as
características de documentos originais.
Um destes documentos é a
pauta da disciplina de Inglês Técnico (ver reprodução em baixo) que está
preenchida a azul no original e que não tem a assinatura do professor. Já a
fotocópia aprendida pela PJ, ao contrário de todos os outros documentos do
mesmo processo individual, tem a assinatura do reitor da UnI, a tinta azul.
Este foi o documento cuja cópia foi distribuída aos jornalistas pela UnI, com
autorização de José Sócrates, em Março de 2007.
A posição do DCIAP
Rui Verde afirma que guardou
o processo de Sócrates antes de ser preso pela PJ - na véspera do dia em que o
PÚBLICO, em Março de 2007, revelou na imprensa as condições anormais em que
Sócrates tinha obtido a licenciatura - por se considerar fiel depositário dos
mesmos, devido às funções que ocupava na universidade. O antigo vice-reitor
está há vários meses, juntamente com outros 23 arguidos, a ser julgado em
Monsanto sob a acusação de numerosos crimes alegadamente praticados na gestão
da UnI (ver texto ao lado).
O PÚBLICO confrontou ontem
Cândida Almeida com a informação de que o Apêndice 4 é formado por fotocópias e
questionou a magistrada sobre o facto de essa ter sido a base do seu trabalho.
Em resposta o DCIAP produziu uma nota, transmitida telefonicamente ao fim do
dia, onde afirma: "Durante a fase de investigação o DCIAP solicitou à
entidade competente, a DGES, a remessa, a título devolutivo, do dossier da UnI
relativo ao licenciado José Sócrates tendo sido enviados ao DCIAP os documentos
que aquela universidade havia remetido àquela entidade nos termos da lei após o
encerramento da Universidade. Foram esses documentos oficiais, remetidos por
aquela direcção-geral, que foram tidos em conta na investigação que decorreu
termos no DCIAP"
Sem falar em originais ou
fotocópias, mas apenas em "documentos oficiais", e sem fazer qualquer
alusão aos processos individuais apreendidos pela PJ, o DCIAP invoca agora uma
nova fonte documental, a DGES, que lhe enviou o "dossier do aluno"
(processo individual) recebido da UnI após o encerrramento da universidade.
Esta explicação esbarra com
duas datas essenciais que são as seguintes: o despacho ministerial que
determina o encerramento da UnI é de 2 de Agosto de 2007 e a despacho em que
Cândida Almeida ordena o arquivamento do inquérito tem data de 31 de Julho do
mesmo ano. Por outro lado, o despacho ministerial diz expressamente que a DGES
"fica encarregue da guarda da documentação fundamental da UnI, após auto
de entrega da mesma" pelos responsáveis do estabelecimento "a
efectuar em 31 de Janeiro de 2008".
No seu despacho de 2 de
Agosto, o então ministro Mariano Gago faz referência a "providências
oportunamente tomadas", nomeadamente no que respeita à preservação dos
dados do "percurso escolar dos alunos", que poderiam confirmar a
possibilidade de a DGES ter o "dossier do aluno" Sócrates na sua
posse, para o enviar ao DCIAP, antes de este arquivar os autos. O mesmo
despacho, esclarece todavia que as providências em causa, relativamente à
salvaguarda dos interesses dos alunos, consistiram na realização pela Inspecção
Geral do Ensino Superior de "cópia actualizada das bases de dados do
percurso académico e do programa que permite aceder à mesma". Ou seja:
tratou-se de informação recolhida em suporte informático, não se sabendo se
obtida a partir de originais ou de fotocópias.
Sem comentários:
Enviar um comentário