Por António Cluny, publicado
em 13 Ago 2013
Os portugueses costumam ser bons idealizadores de
modelos jurídicos e judiciais que outros depois copiam com vantagem para os
seus países
1. Recentemente, o Tribunal
Constitucional declarou inconstitucional - ainda sem força obrigatória geral -
uma importante alteração ao processo penal. Permitia ela o julgamento em
processo sumário de crimes tão graves como os homicídios, se, no caso, tivesse
sido possível deter o agressor em flagrante delito.
É, em si mesma,
louvável a vontade que presidiu a esta alteração para credibilizar a justiça e
mostrar, desde logo, a sua efectividade, quando se está perante situações em
que as condições do cometimento dos crimes e o conhecimento imediato dos seus
autores são evidentes e as delongas pouco compreensíveis.
Desde logo, a
solução encontrada mereceu, contudo, algumas dúvidas e reservas sérias de parte
de muitos juristas.
O facto de o
Tribunal Constitucional ter agora dado corpo a essas reticências e,
naturalmente, podendo continuar a observar, em futuros casos, o sentido da
jurisprudência agora avançada, não deve, todavia, deixar de nos fazer reflectir
sobre os caminhos para qualificar a resposta da justiça em situações como a que
esta reforma quis resolver.
2. Um dos argumentos do Tribunal
Constitucional radica numa cultura antiga, mas nem por isso menos actual e
justificada, que se traduz na ideia de que "o julgamento através do
tribunal singular oferece aos arguidos menores garantias de defesa que um
julgamento em tribunal colectivo [?] porque aumenta a margem de erro na
apreciação dos factos e a possibilidade de uma decisão menos justa".
Esclarece, mais
adiante, o mesmo tribunal que "o valor da celeridade não é um valor
absoluto e carece de ser compatibilizado com as garantias de defesa do
arguido".
3. Não cabe discutir aqui e agora
em que medida essas garantias ficaram ou não cerceadas por esta reforma.
O que interessa
é procurar evidenciar a ideia de que as garantias no processo penal estão muito
ligadas ao controlo exercido por mais de um decisor sobre a sentença.
Há já mais de
uma década, um MJ italiano propôs uma reforma da organização judiciária que
partia precisamente desta preocupação.
O referido MJ,
um experimentado e conceituado advogado, aventou então a ideia de que nenhum
juiz deveria alguma vez poder começar a julgar como juiz singular em casos
penais, sem que tivesse feito pelo menos seis anos como "asa" de um
tribunal colectivo.
Essa proposta
inovadora afigurava-se o epicentro de uma revolução completa na forma como se
deveria olhar não só a formação dos juízes como a própria concepção das suas
carreiras e da respectiva gestão.
É verdade que
entre nós alguns exemplos recentes permitem pôr em dúvida a total bondade desta
ideia, mas mesmo assim a experiência diz que as preocupações do referido MJ
italiano tinham razão de ser.
4. Procurar, pois, nas actuais
circunstâncias, encontrar uma solução legislativa que permita dar continuidade
a um desígnio relevante e que apenas procurou responder a um patente, mas
pernicioso, desgaste da imagem da justiça é assim fundamental.
Tal desígnio
terá de ser conseguido, no entanto, sem implicar qualquer risco para as
indispensáveis garantias dos arguido e a serenidade e reflexão que só uma
experiência de vida, vivida dentro e fora dos tribunais, pode dar aos magistrados
encarregados de julgar os casos mais graves.
Os portugueses
costumam ser bons idealizadores de modelos jurídicos e judiciais que outros
depois copiam com vantagem para os seus países.
Talvez possamos
nós, desta vez, fazer o mesmo: inspirar-nos em reformas de sucesso já
experimentadas.
Jurista e
presidente da MEDEL
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