Este recurso ao insulto incomoda quem aprendeu boas maneiras. Em Portugal, traz à memória a balbúrdia da I República
RICARDO REIS
Há dois anos que ocupo este espaço, e desde 2006 escrevo regularmente para a imprensa. A pergunta que me fazem com mais frequência é: o que mudou em Portugal na perspectiva de quem está fora? Piorou muito a qualidade de vida dos portugueses com a terrível crise económica. Mas a nível do debate político e público, a mudança que mais sinto é o enorme aumento na incivilidade e no insulto.
Já em 2009 o primeiro-ministro José Sócrates dizia eloquentemente que “…o insulto degrada a democracia e a liberdade e é uma arma dos fracos”. Durante os 6 anos que esteve no poder, Sócrates foi desde ser visto como aguerrido e determinado a ser comparado a Hitler. No debate político durante o segundo mandato do PS, tomou-se frequente ver pessoas de direita a atacar os socialistas chamando-lhes mentirosos, ignorantes, ou corruptos. Os casos da Casa Pia e do Freeport, com as fugas de informação e as cambalhotas do ministério público e dos juizes, ou as atitudes do bastonário dos advogados nos seus frequentes confrontos, mostraram que a incivilidade rapidamente conquista também a justiça.
Com o governo PSD-CDS, atingimos outro patamar. Do lado dos cidadãos, a crise trouxe desespero e, como disse o escritor Russell Baker, “A má educação tomou-se uma forma aceitável de anunciar que estão fartos de tudo e não vão aturar mais.” Mas tenho dificuldade em compreender porque é que nos debates no Parlamento, que eu sigo, sobre economia e finanças com Vítor Gaspar, vi os deputados do PS acharem bem dizer que “o senhor ministro é um irresponsável” que usa “linguagem salazarenta” e é “tóxico”. Uma breve busca na Internet mostra que o ministro das Finanças até recebeu um tratamento meigo: para o deputado João Galamba, Cavaco Silva “endoidou”, Angela Merkel “é burra” e os discursos da chanceler alemã levam à reação: “Mas a imbecilidade não tem limites?”
Este recurso ao insulto incomoda quem aprendeu boas maneiras. Em Portugal, traz à memória a balbúrdia da I República. Mas será que este folclore conta para alguma coisa?
Quatro economistas recentemente usaram as transcrições das discussões no Congresso americano desde 1873 e os livros no Google Books para produzir um índice de polarização do discurso político. Nos últimos 20 anos, a polarização aumentou nos EUA, e muitos lamentam o efeito que isto tem no debate público. Estes economistas mostram que esta polarização esta estatisticamente associada a menos eficiência legislativa nos EUA, definida em termo das leis aprovadas, e da capacidade de chegar a consenso nas propostas para votação.
Há pouco mais de uma semana, os principais partidos portugueses não se entenderam sobre as prioridades no combate à crise. Há boas e más razões por trás deste desfecho, mas uma das piores é a dificuldade que qualquer pessoa com um mínimo de espinha tem em apertar a mão a quem o insulta todos os meses. O insulto grosseiro passa hoje em Portugal por ser normal e aceitável em substituição do debate civilizado.
Professor de Economia na Universidade de Columbia, em Nova Iorque
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