ANA DIAS CORDEIRO
Washington lembrou o "dever moral" das novas autoridades de permitirem manifestações pacíficas. Balanço revisto, mas ainda incerto, das mortes da madrugada de sábado é de 72 mortos e 400 feridos.
Os apoiantes de Morsi voltaram esta noite às ruas desafiando a ameaça do Exército de "em breve" acabar com este tipo de acções
Cem pessoas terão morrido durante a madrugada no Cairo.
Milhares de apoiantes da Irmandade Muçulmana no Cairo prometeram manter a vigília em apoio do ex-Presidente deposto Mohamed Morsi. As forças de segurança egípcias tinham avisado que iriam dispersar “em breve” e “definitivamente” essas manifestações e prometeram fazê-lo "dentro da lei" e "com o minímo de mortes possível". A noite de sábado para domingo foi mais calma e sem registos de violência ou mortes.
No sábado, o Exército ouviu apelos à contenção de importantes figuras nacionais e de países aliados do Egipto, como os Estados Unidos. Algumas capitais condenaram a repressão da noite anterior que terá feito 72 mortos, de acordo com o Governo interino, e mais de 100, segundo a Irmandade Muçulmana.
Washington, através do secretário de Estado John Kerry, lembrou as autoridades interinas egípcias do seu "dever moral e legal de respeitar o direito [das pessoas] a manifestarem-se de forma pacífica”. Kerry contactou dois altos membros do Exército a quem manifestou “profunda preocupação” perante “a explosão de violência” deste fim-de-semana e apelou, em comunicado, a uma acção dos líderes do Egipto dos vários quadrantes da política “para ajudar o país a sair do abismo”. Também o secretário de Estado da Defesa Chuck Hagel falou pelo telefone com o general que liderou o golpe que depôs Mohamed Morsi Sissi.
Na madrugada de sábado, terão morrido 72 pessoas, segundo dados do ministério da Saúde citados pela AFP. A Irmandade Muçulmana denunciou o “massacre desumano” e falou em mais de cem pessoas mortas pela repressão do Exército. Num comunicado disse que a repressão e a violência só contribuíam "para reforçar a [sua] determinação em não aceitar o golpe de Estado e a exigir o regresso à legitimidade encarnada pelo Presidente eleito” e deposto, Mohamed Morsi.
“Ficaremos aqui até morrermos, um a um” disse à Reuters Ahmed Ali, 24 anos, que estava no sábado a ajudar a tratar os feridos num hospital de campanha da Irmandade Muçulmana. Na noite de sábado, junto à mesquita Rabaa Al-Adawiya, milhares de apoiantes pró-Morsi mantiveram a vigília empunhando bandeiras e faixas com a palavra “pacífico”.
A Human Rights Watch acusou as autoridades do país de “um desprezo criminoso pela vida humana”. Uma grande parte das mais de 70 pessoas mortas na madrugada de sábado foi atingida na cabeça ou no peito com balas reais, diz a organização de defesa dos direitos humanos. E considera que as mortes verificadas demonstram haver “uma vontade chocante por parte da polícia e de certos políticos de fazer subir o patamar de violência contra os manifestantes pró-Morsi”, lê-se num comunicado citado pela AFP.
O número exacto de vítimas continua a ser desconhecido mas sabe-se já que é o balanço mais pesado de vítimas desde a destituição de Morsi a 3 de Julho. Em menos de um mês, já terão morrido 300 pessoas, segundo Reuters e AFP.
A Reuters que cita também o Ministério da Saúde egípcio fala em 65 mortos na repressão na madrugada de sábado e diz que o serviço de ambulâncias coloca esse balanço em 72. Cerca de 400 pessoas terão ficado feridas. A polícia diz que cerca de 50 dos seus agentes ficaram feridos.
Denúncias desmentidas
Os militares do general Sissi Abdel Fattah al-Sissi que depôs Morsi são acusados pela Irmandade Muçulmana de terem dispersado com balas reais os manifestantes na madrugada de sábado na vigília pacífica de Nasr City e noutros pontos da cidade. E embora os próprios neguem, as denúncias suscitaram uma série de fortes reacções.
Ainda antes da posição de Washington, Londres, no sábado, “condenou o uso da força contra os manifestantes". O ministro dos Negócios Estrangeiros William Hague apelou as "autoridades do Egipto a respeitarem o direito [das pessoas] a manifestarem-se de forma pacífica, a porem fim à violência contra os manifestantes, incluindo os disparos de balas reais, e a exigirem contas a todos os responsáveis”.
A chefe da diplomacia da União Europeia Catherine Ashton lamentou as mortes da madrugada de sábado no Egipto e apelou às autoridades para permitirem a realização de “manifestações pacíficas”. Paris pediu a “todas as partes, nomeadamente ao Exército, uma maior contenção”, informou o Ministério dos Negócios Estrangeiros francês.
Também no Egipto, se ouviram vozes contra o Exército e não apenas da Irmandade. O vice-presidente Mohamed ElBaradei, que tinha sido um forte opositor do poder do Presidente Morsi, e o grande imã da mesquia Al-Azhar, xeque Ahmed El Tayab, condenaram a "força excessiva" e as mortes.
O professor de Ciência Política na Universidade do Cairo Moustafa Kamel el-Sayyed, ouvido pela AFP, lembrou contudo que o general Sissi é o “homem forte do novo regime" e "beneficia do apoio de uma grande parte da população devido à sua acção contra a Irmandade Muçulmana”.
Público, 28 de Julho de 2013
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