quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Uma procuradora que não vê Portugal como um país corrupto

ANA HENRIQUES 

Naqueles dias da revolução ainda não usava a maquilhagem demasiado carregada que se tornou a sua imagem de marca. A primeira mulher em Portugal a tomar posse na magistratura tinha 26 anos, e para se proteger dos presos que lhe deixavam à frente sem guarda escondia ao pé de si uma moca de Rio Maior - que garante nunca ter chegado a utilizar. Assustadiça? Quem a conhece assegura o contrário, ou não tivesse ela lidado a seguir com um processo que afastou muita gente por medo, o das FP-25. "O juiz encarregue do processo teve de ir para o estrangeiro com outra identidade", recorda Barradas Leitão, do Conselho Superior do Ministério Público, elogiando a coragem e o pioneirismo de Cândida Almeida. Ela temeu pela filha mas ficou, apesar do risco. Teimosa, como já tinha mostrado antes que era. António Cluny, seu colega em Cascais, lembra-se daqueles "tempos gloriosos" em que chovia dentro do edifício onde estavam instalados, por trás do cinema S. José, onde uma antiga cavalariça fazia as vezes de sala de audiências. Cândida Almeida ainda não tinha o estatuto de procuradora, vinha longe a fama que lhe haviam de trazer os casos mais mediáticos da justiça em Portugal. Um dos primeiros foi o da Dona Branca, a idosa que guardava os molhos de dinheiro angariados à clientela em sacos plásticos e alguidares. Um crime quase artesanal, comparado com os mega-processos cuja investigação dirigiu no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), casa que não fundou mas governou como tal ao longo de 12 anos.
"Talvez se não tivesse permitido a organização desses mega-processos...", alvitra Barradas Leitão, numa referência ao interminável arrastamento da investigação dos casos. "Mas a verdade é que o DCIAP consegue taxas de condenação em tribunal da ordem dos 85%".
Por motivos diferentes, os processos Operação Furacão e Freeport são, mesmo entre os indefectíveis da procuradora-adjunta, considerados os casos menos abonatórios de uma carreira de sucesso. "No Furacão têm lá camiões de documentos e meia dúzia de magistrados para os estudar", justifica o seu amigo Pinto Nogueira, ex-procurador-geral distrital do Porto. Nos casos que envolviam Sócrates a procuradora-adjunta disse e repetiu que não tinha favorecido o primeiro-ministro - mas não se livrou da suspeita. "Quando foi o caso do Otelo colocaram-me no PCP, mais tarde colocaram-me a defender o Sócrates. Sou independente", defendeu-se. Mais recentemente declarou na universidade de Verão do PSD que não via Portugal como um país corrupto nem os políticos portugueses.
O caso Freeport valeu-lhe um processo disciplinar, levantado pelo Procurador-Geral da República, Pinto Monteiro, em 2011 e entretanto arquivado. Por esta altura já sofrera um dos mais rudes golpes da sua vida: a morte do segundo marido, o inspector-geral da Administração Interna Rodrigues Maximiano. "Deixou-me completamente desorientada. Foi a minha primeira derrota", descreveu. Recusou ser juíza do Supremo Tribunal de Justiça: preferiu continuar dedicada ao Ministério Público, onde é hoje, com 64 anos, a magistrada mais antiga do país. A alguns não deixa saudades. Na hora da despedida o ex-presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público João Palma prefere não se alongar em críticas: "Espero que com esta alteração na chefia do DCIAP se vire uma página na reorganização e credibilização da magistratura do MP".

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