quarta-feira, 16 de maio de 2012

A Justiça prescrita


A Justiça é um mundo de rituais de outros tempos e de conclaves cifrados reservados aos clãs forenses.
Por: Eduardo Cabrita, Deputado do PS
Um processo civil com raízes no Portugal rural de Alberto dos Reis, um Código Civil que se espraia na regulação de figuras exóticas como a parceria pecuária, o pacto leonino e os regimes aplicáveis aos tesouros, aluviões ou enxames e uma investigação criminal que se consome em guerras tribais são pouco ágeis a acompanhar o espírito inovador do crime financeiro, informático ou biológico.
Mais do que a alegada rigidez das leis laborais, o peso do Estado ou a inércia burocrática, é o sistema de Justiça o maior entrave à confiança dos investidores, à sã concorrência nos mercados e à defesa dos direitos fundamentais. A colonização do sistema como departamento de cobranças de operadoras de telemóveis, seguradoras e vendedores de ilusões a crédito é a hidra que devora energias e esquece os direitos.
É estranho que tendo a troika apontado a Justiça como área prioritária de reforma estrutural, este seja um tema esquecido nas tradicionais guerrilhas corporativas em que Paula Teixeira da Cruz se perde como parte e não como decisor estratégico. Só ouvimos falar de comarcas distritais, contrariando o modelo acordado e previsto no memorando, do abandono do território em vez de levar a Justiça às pessoas e de um delírio populista inconstitucional que liquidou a perseguição do enriquecimento injustificado.
Para o setor é irrelevante a generalização do incumprimento, secundária a opção dos que podem pelos luxos da arbitragem de gama alta e banal a espera pela acusação da famosa ‘Operação Furacão’. Madoff cumpre pena e gestores de bancos europeus foram afastados, mas entre nós o BPN é mero pretexto para floreado parlamentar e a liquidação do BPP agoniza no remanso judicial.
A única determinação conhecida do Governo foi em sanear em golpe de secretaria a Comissão para a Eficácia das Execuções de braço dado com os malfeitores incomodados.
Isaltino Morais, condenado em quatro instâncias por mais de uma dezena de juízes, está na iminência, para vergonha coletiva, de se tornar o símbolo da Justiça prescrita.

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