segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Os tribunais e o desporto


José Manuel Meirim
1. Agora que o debate sobre a criação do Tribunal Arbitral do Desporto ganha espaço (notícias amigas, via youtube, avançam que a audiência de Mestre Picanço na Assembleia da República e o “debate” com o seu homólogo Laurentino Dias, não foi parlamentar, mas sim para lamentar), não será menosprezível dar conta do labor recente dos tribunais do Estado, em domínios bem importantes.
2. Há a registar três recentes decisões. A primeira, que teve algum eco na comunicação social, respeita ao caso que opõe a Federação Portuguesa de Futebol e o Boavista. Após a primeira instância dos tribunais administrativos ter afirmado que a “decisão” do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), que puniu severamente esse clube, é nula, o recurso interposto pela FPF, para o Tribunal Central Administrativo do Sul, não surtiu os efeitos pretendidos. Este tribunal nem conheceu do recurso, aplicando orientação do Supremo Tribunal Administrativo. Desse modo, parece que se fecharam as portas à FPF para continuar a sustentar, nos tribunais, a legalidade da decisão daquele seu órgão. Sendo assim, o ” caso Boavista” como que nunca foi decidido em Conselho de Justiça, seguindo-se, pois, a necessidade desse juízo. Mas há contas a fazer e só quem está bem por dentro do processo estará em condições de as fazer (o que não é o nosso caso). Terá ocorrido alguma prescrição, não sendo possível uma nova decisão do Conselho de Justiça? Se assim for, o Boavista virá a ser reintegrado na competição de onde foi afastado? Veremos, com atenção, os próximos episódios.
3. O Tribunal da Relação de Lisboa, por seu lado, ocupou-se do “Caso Ruben Micael”, que opõe dois clubes madeirenses quanto a um contrato de transferência, direitos federativos e económicos. Confirmando a decisão do Tribunal do Funchal, favorável ao União da Madeira, o tribunal adianta que a transferência de um atleta de uma entidade desportiva para outra, envolvendo direitos de inscrição desportiva ou direitos federativos, direitos económicos e o vínculo laboral inerente à prestação da actividade do atleta, é uma realidade contratual de conhecimento comum, configurando-se como um contrato atípico delineado pelas partes no exercício da sua liberdade contratual.
4. Para o final, porventura, o mais relevante – por que aplicável a todas as federações desportivas -, embora, à primeira vista, possa não parecer em face do resultado concreto do processo. Referimo-nos a recente decisão do Tribunal Constitucional em que se encontrava em causa norma regulamentar da FPF, relativa à transferência de jogadores amadores a partir dos 14 anos, impondo o pagamento de uma taxa de formação pelo clube ou SAD para o qual se transfere o jogador, ao clube ou SAD no qual aquele esteve anteriormente inscrito, segundo tabela a publicar anualmente pela FPF, caso os clubes dela não prescindam por escrito. A FPF, porém, veio, a 6 de Junho de 2012, dar conhecimento da aprovação de novo Regulamento para a inscrição de jogadores, no qual foi eliminada a disposição normativa de cuja constitucionalidade o Tribunal iria aquilatar. No seguimento de jurisprudência constante, o tribunal, perante este novo facto – a revogação da norma em crise – entendeu verificada a inutilidade superveniente e, em consequência, não conheceu do mérito do pedido formulado.
5. Ora, não obstante este desfecho – e não é de subestimar a revogação da norma no seio da FPF -, permanecem válidos, a nosso ver, os argumentos do pedido formulado pelo procuradorgeral da República que, algo me diz, receberiam acolhimento no Tribunal Constitucional.
6. Ora aí está matéria para a qual o actual membro do Governo responsável (?) pelo desporto deveria endereçar a sua atenção, no quadro geral das normas regulamentares de todas as federações sobre transferências de atletas amadores. Mas isso era pedir de mais. josemeirim@gmail.com
Público, 16 Dezembro 2012

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