segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Pensões acima de cinco mil euros vão ser mais penalizadas que salários


Governo admite diferença de tratamento apenas para as reformas "douradas'
Marta Moitinho Oliveira

O Governo admite que os pensionistas que têm uma reforma superior a cinco mil euros serão mais penalizados no próximo ano do que os trabalhadores com igual rendimento. O corte nas pensões previsto no Orçamento do Estado para 2013 é um dos pontos que tem levantando mais dúvidas de constitucionalidade entre conselheiros de Estado e constitucionalistas.
O primeiro-ministro defendeu ontem a necessidade de os reformados com pensões mais elevadas darem ao Estado um "contributo maior", o que na sua opinião não viola a Constituição da República. "Queixam-se de lhes estarmos a pedir um esforço muito grande", disse Pedro Passos Coelho, mas esses pensionistas "não descontaram para terem aquelas reformas".
O secretário de Estado da Administração Pública já tinha balizado a discussão na sexta-feira, num artigo de opinião publicado sexta-feira no jornal Público. Aos reformados será exigido um esforço contributivo maior do que o que é exigido aos trabalhadores "para rendimentos claramente superiores a cinco mil euros, como já acontece em 2012", defendeu Hélder Rosalino.
No entanto, o responsável considera que para rendimentos inferiores, não há qualquer diferença de tratamento entre pensionistas e trabalhadores no activo.
Rosalino justifica que os cortes para os trabalhadores começam a partir de salários acima de 1.500 euros brutos, enquanto a CES afecta reformas num patamar mais baixo (acima de 1.350 euros) porque os pensionistas não estão sujeitos aos descontos para a Caixa Geral de Aposentações (CGA) ou para a Segurança Social, de 11%.
Além disso, Rosalino avança que os valores pagos a título da CES "poderão ser deduzidos, em sede de IRS", mitigando o esforço fiscal exigido aos pensionistas, "o que não se verifica para os funcionários públicos relativamente as reduções que lhes foram aplicadas". E acrescenta que o corte "não afecta, em termos globais, 92%" dos pensionistas. Assim, concluiu que "não é, pois, correcto, dizer-se que, para níveis de rendimento iguais, aos reformados será exigido um esforço maior do que é exigido aos trabalhadores". Isso só acontecerá para pensões acima de 5 mil euros, admite.
No próximo ano, os salários acima de 1.500 euros dos funcionários públicos mantém um corte entre 3,5% e 10%, sendo que esta redução máxima se aplica a salários superiores a 4.165 euros. Já os pensionistas sofrem cortes iguais logo a partir de 1.350 euros, mas as pensões superiores a 5.030 terão ainda duas taxas adicionais, o que não acontece a salários do mesmo nível.
Esta norma do Orçamento já foi criticada por Bagão Félix, Vítor Bento e Gomes Canotilho, merecendo até a preocupação dos deputados do PSD (ver texto ao lado).
Ao Diário Económico, o ex-ministro das Finanças e da Segurança Social, refere que os argumentos do Governo são "falaciosos e contraditórios" e "reforçam" a tese de inconstitucionalidade. "Certo é que acima de 1.350 euros, os pensionistas vão pagar mais impostos do que um activo (funcionário do Estado ou não) com o mesmo rendimento", justifica Bagão Félix.
O ex-ministro diz que é "por uma má razão" que a medida abrange apenas 8% dos pensionistas: "E que as pensões são em regra muito baixas". Mas acrescenta que "a questão da constitucionalidade não é uma simples questão de aritmética de quem é atingido".
Questionado sobre os argumentos do Executivo, Vítor Bento mantém a opinião escrita num artigo publicado no Diário Económico a semana passada. O economista e conselheiro de Estado defende que "o pagamento de uma CES, que, em termos marginais pode ir até aos 50%" parece violar "tantos princípios da justiça distributiva". Sendo assim difícil que a medida "possa escapar à faca da vigilância constitucional".
CRONOLOGIA
11 de Dezembro
A Assembleia da República enviou para o Palácio de Belém a versão final do Orçamento do Estado para 2013. Começou então a contar o "tempo do Presidente".
19 de Dezembro
Termina o prazo para Cavaco enviar, se assim o decidir, o OE/13 para fiscalização prévia do Tribunal Constitucional.
31 de Dezembro
Termina o prazo para Cavaco promulgar ou vetar politicamente o OE/13. Para que entre em vigor a 1 de Janeiro, tem que ser até este dia a sua publicação em Diário da República.
Diário Económico, 17-12-2012

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