Por: Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal
A ministra da Justiça avisou o Tribunal Constitucional de
que não desistiu da iniciativa legislativa sobre enriquecimento ilícito. Mas
sem alterações quanto às questões de constitucionalidade, a proposta não passa
pelo crivo da Constituição. Sob a linguagem política da ministra, só pode estar
o desejo de uma reformulação que não colida com o juízo do tribunal.
Uma nova contradição com o anterior acórdão do Tribunal
Constitucional deverá conduzir a um voto idêntico por parte dos juízes que
tomaram parte na respetiva decisão. E não parece correto o Estado de Direito
ignorar as razões ponderosas que justificaram o juízo de inconstitucionalidade,
apostando na mudança dos juízes indicados pelo poder político.
Além disso, com a criminalização do enriquecimento ilícito,
a investigação poderia deter-se no lançamento da suspeita, obrigando o arguido
a provar em tribunal que todos os seus rendimentos têm origem lícita. Uma tal
solução dispensaria os esforços da investigação para ir mais longe e deslindar
crimes tão graves como a corrupção ou o tráfico de influências.
Objeções como as do Tribunal Constitucional, em nome da
presunção de inocência e contra a inversão do ónus da prova, fornecem bons
argumentos contra certas investigações e violações do segredo de justiça que
põem em causa o bom-nome das pessoas. Isto tem acontecido repetidamente (e até
a defensores da criminalização do enriquecimento ilícito).
A divulgação das buscas é muito grave dada a afetação da
credibilidade da pessoa visada e do próprio processo. A investigação deve ser
secreta, obrigando ao silêncio os investigadores e os alvos. A mediatização dos
processos é contrária à atitude do famoso detetive Colombo, da série
televisiva, que cercava o suspeito, sem que ele o percebesse, até à estocada final.
Não sabemos, em cada situação, a quem se deve a divulgação
pública das buscas ou de outras diligências. Por isso, não podemos lançar a
primeira pedra contra ninguém. Seja como for, a investigação transforma-se numa
trapalhada. Toda a suspeita e, muitas vezes, toda a defesa são apresentadas na
comunicação social, subvertendo o processo penal.
Porém, para serem coerentes, os defensores da criminalização
do enriquecimento ilícito e da inversão material do ónus da prova não se podem
limitar a dizer que não existem quaisquer razões de suspeita. Têm de demonstrar
à saciedade todas as fontes de rendimentos e provar que eles não estão
relacionados, por exemplo, com esquemas de fuga ao Fisco.
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