Por António Cluny, publicado em 18 Dez
2012
Urge que actuem os órgãos constitucionais,
enquanto dispõem de tempo, de iniciativa e autoridade moral e política,
impedindo que a “crise” ganhe contornos mais graves
1. Individualidades de comprovado prestígio, instituições várias, um
crescente número de associações de defesa da cidadania e cidadãos comuns clamam
hoje por um maior e realmente efectivo controlo constitucional das leis que
governam e orientam os nossos destinos.
Portugal dispõe – goste ou não quem a quer alterar – de uma Constituição
estável e maioritariamente apoiada, que estabelece os princípios e os caminhos
orientadores da nossa vida comum: a possibilidade de coexistência organizada,
em paz e progresso.
Essa Constituição não só estabelece esses caminhos como, correlativamente,
estabelece interditos e controlos.
Estes definem o sentido e os limites que, quem nas mais diversas funções
está encarregado de reger e administrar os destinos do país, não pode frontalmente
violentar sob pena de provocar uma “crise” institucional e democrática.
Pretender, todavia, contornar esses limites, fingindo que assim se não
viola a Constituição, é pouco sério e para nada serve também.
Hoje poucas são as situações que se consegue esconder por muito tempo do
conhecimento dos cidadãos, da sua consequente crítica.
2. A pressão ilegítima que quem quer “contornar” a Constituição vai fazendo
incidir sobre os órgãos encarregados de a fazer respeitar pode, de facto,
condicionar a necessária e oportuna intervenção de alguns deles.
Dificilmente, porém, todos se sentirão intimidados e por isso qualquer que
seja o vigor das respostas que estes venham a dar elas sempre impedirão que
muitas das mais graves violações da Constituição fiquem totalmente encobertas e
possam, por isso, vingar.
A situação é assim extraordinariamente perigosa. De um lado assiste-se já,
e sem disfarce, a uma tentativa ideologicamente determinada de superar, na
prática, o pacto social que, com todas as contradições, nos tem permitido a
construção pacífica de um destino comum.
Do outro defende-se – por ora, apenas – o recurso privilegiado aos
mecanismos constitucionais formais a fim de tentar travar esses desígnios
ilegítimos.
Se, no entanto, as instituições constitucionais não funcionarem com a
acuidade necessária, fazendo aumentar a miséria, a injustiça e o desespero,
passarão então a estar reunidas as condições que, no limite, conduzirão a
expressões menos institucionais de desacordo e da indignação.
A “crise” pode, pois, agravar-se.
Nestas circunstâncias, ou as instituições constitucionais de controlo são
compelidas, aceitando passar a desempenhar um papel contrário àquele para que
foram criadas, e assim os mecanismos “democráticos” restantes apenas passam a
servir a perpetuação do logro e impedir alternativas reais, o que não pode
durar sempre; ou essas instituições, num assomo de dignidade constitucional,
recusam por fim a sua submissão, impondo à “crise” uma mudança radical de
figurino.
Qualquer destas perspectivas é perigosa: ambas podem conduzir o país a um
afrontamento que o respeito (mesmo temperado) pela actual Constituição tem
permitido evitar.
3. Urge então que actuem os órgãos constitucionais, enquanto dispõem de
tempo, de iniciativa e de alguma autoridade moral e política, impedindo assim
que a “crise” ganhe realmente outros e mais graves contornos.
A iniciativa de todos quanto procuram deste modo incentivar a intervenção
intempestiva dos órgãos constitucionais de controlo deve portanto ser acolhida
pela sensatez, pois constitui afinal um dos últimos recursos cívicos para
continuar a assegurar a paz social em que temos conseguido viver desde o 25 de
Abril.
Jurista e presidente da MEDEL
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