O exercício da hipocrisia é sempre lamentável, sendo, por vezes, desculpável, mas não quando se trata da ministra da Justiça a falar da corrupção, que ela elegeu como prioridade
Em entrevista do passado fim-de-semana a este jornal, questionada sobre o sentido que faria eu ter sido condenado por ter denunciado uma situação de corrupção, a ministra da Justiça respondeu: “Há contornos vários no processo que não conheço. Todos e cada um devem preservar os seus deveres. Por outro lado, o combate à corrupção deve ser um contributo de cidadania, porque muitas vezes todos condenamos a corrupção, mas não condenamos a facilitação. Muitas vezes, entre os dois, há só um pequeno degrau” (sic).
2. O exercício da hipocrisia é sempre lamentável, sendo, por vezes, desculpável, mas não quando se trata da ministra da Justiça a falar da corrupção, que ela elegeu como uma prioridade. Por isso, não ficará a senhora ministra sem resposta quanto às insinuações que fez e me atingem.
3. Antes de mais, não acho plausível que a ministra da Justiça não conheça os dados relevantes do caso. Por um lado, porque, no pós 25 de Abril, se trata de uma das raras demonstrações judiciais bem sucedidas (apesar do sinuoso caminho que teve) de uma acção de corrupção visando um político e seguramente a única em que os denunciantes são o político visado e a pessoa escolhida para chegar a ele (no caso, eu próprio).
Depois, porque os elementos do processo são de fácil acesso, sobretudo para a ministra da Justiça, que tem, como colaborador chegado, o antigo secretário de Estado, João Correia, um dos advogados que defende os interesses do corruptor nas acções retaliadoras movidas contra mim. Para já não falar do seu colega de governo, Aguiar-Branco, que, em tempos, também patrocinou tais interesses, igualmente contra mim.
4. Porém, o que é verdadeiramente sintomático é que a ministra da Justiça, a propósito da minha insólita condenação (a ver vamos se subsiste…), não tenha uma palavra de mero apreço (mesmo que distante) pela denúncia da corrupção levada a cabo, optando, pelo contrário, por lançar a suspeita infame de que eu não teria cumprido um qualquer dever, que, de resto, não identifica.
5. Em Portugal, campeia a corrupção. É sabido. Contudo, quando alguém a denuncia em termos gerais, caiem-lhe em cima e exigem-lhe nomes, datas e locais (como acabou de acontecer com o bispo D. Torgal Ferreira). Por seu turno, quando alguém se expõe aos riscos de denunciar um corruptor concreto – viabilizando que ele fosse “apanhado à mão” -, aquilo com que pode contar é com a ministra da Justiça a lançar a dúvida (ademais, nunca concretizada) sobre a correcção da sua conduta.
6. Senhora ministra, tome as dores do corruptor, se acha que o deve fazer. Mas faça-o frontalmente, não use subterfúgios, não se esconda em meias-palavras. Olhe, faça-o com a clareza com que, nas vésperas do acórdão, anunciou qual a decisão que – quanto ao corte dos subsídios de Natal e de férias dos funcionários públicos – preconizava que o Tribunal Constitucional devia adoptar.
Ricardo Sá Fernandes
i - terça-feira, 24 Julho 2012
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