quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Plea bargaining: uma primeira decisão entre nós

Pelo seu interesse e carácter inédito, dá-se a conhecer um excerto de uma acta de julgamento:



Tribunal Judicial de Ponta Delgada
2º Juízo

Processo: 33/10.9JAPDL Processo Comum (Tribunal Coletivo)

ATA DE AUDIÊNCIA DE DISCUSSÃO E JULGAMENTO

Data: 01-02-2012,  10 horas, sala de audiências n.º 1

Juiz Presidente:
Dr. José Francisco Moreira das Neves
Juízes Adjuntos:
Dr. José António Lopes Vicente
Dr.ª Ana Luísa de Oliveira Colaço
Escrivã Auxiliar:
Carla Sofia Freitas Pimentel
*
Sendo a hora marcada, publicamente e de viva voz, identifiquei os presentes autos de Processo Comum (Tribunal Coletivo), em que são:
Autor:
Ministério Público
Arguido:
e
outro(s)...
(…)
PRESENTES:
Procuradora da República: Dr.ª Laura Tavares da Silva
Mandatário Dos arguidos: Dr. Carlos Melo Bento

Arguidos:
(…)
Testemunhas da defesa:
(…)
*
Quando eram 11 horas e 30 minutos pelo Mmº Juiz Presidente foi declarada aberta a audiência de discussão e julgamento.
*
(…) foi feito uma exposição sucinta sobre o objeto do processo, nos termos do art.º 339.º do C.P.P. E imediatamente o Mmº Juiz Presidente deu a palavra à digna procuradora da República e ao ilustre mandatário presente, para cada um deles fazer exposição sucinta sobre o objeto do processo e indicar, se assim o desejarem, sumariamente, os factos que se propõem provar.
Prescindindo, o Mm. Juiz Presidente advertiu os arguidos de que são obrigados a responderem com verdade às perguntas sobre a sua identidade, sob pena de poderem incorrer em responsabilidade criminal e informou-os de que tem o direito de prestar declarações em qualquer momento da audiência desde que elas se refiram ao objecto do processo, sem que no entanto a tal sejam obrigados e sem que o seu silêncio os possa desfavorecer – art.º´s 342º e 343º, n.º 1, ambos do C. P. Penal, passando-se à identificação dos arguidos.
(…)
*
Os arguidos fizeram saber ao tribunal que desejavam prestar declarações e confessar os factos de que estão acusados e já considerados provados no acórdão dos autos.
Tal declaração, que constituiu novidade face ao sucedido na sessão anterior, determinou que o Ministério Público sugerisse ao tribunal a interrupção da audiência para aferir junto dos arguidos e do seu mandatário a possibilidade de proporem ao tribunal, por consenso, as penas que considerem adequadas ao caso.
Deferida aquela pretensão o tribunal retirou-se e voltou à sala 15 minutos depois.
Nesse momento a senhora procuradora da república e o ilustre defensor, patrono dos arguidos, fizeram saber que os arguidos reiteram a sua vontade de confessar integralmente e sem reservas toda a factualidade alegada que não respeite à matéria já transitada em julgado e que aceitam cumprir as penas que lhe forem aplicadas, pelos correspondentes ilícitos, até às seguintes medidas das respetivas penas únicas:
… – quatro anos de prisão suspensa da sua execução;
… -três anos de prisão suspensa na sua execução;
… – um ano de prisão suspensa na sua execução;
e … – dois anos de prisão suspensa na sua execução.
Seguidamente o tribunal ouviu os arguidos em tudo quanto quiseram dizer acerca dos factos de que foram acusados, respondendo estes ao que sobre os mesmos lhes foi perguntado.
Após breve deliberação dos membros do tribunal o M.m.º Juiz Presidente proferiu o seguinte DESPACHO: «As declarações dos arguidos constituem confissão integral e sem reservas relativamente à factualidade que constitui objecto do processo, pelo que, nos termos previstos no artigo 344.º, n.ºs 2, al. a) e 4 do CPP, se dispensa a produção da demais prova quanto ao mesmo.»
Prosseguindo os trabalhos da audiência o M.m.º Juiz Presidente perguntou a cada um dos arguidos se concordava com a proposta feita pelo MP e pelo seu advogado, explicando-lhes o seu conteúdo, nomeadamente a diferença relativamente à condenação constante do acórdão de 15/7/2011, o que os mesmos confirmaram.
Em face disso o M.m.º Juiz Presidente declarou interrompida a audiência, para deliberação do tribunal coletivo, por 20 minutos.
Decorrido aquele tempo, regressado o tribunal à sala, o M.m.º Juiz Presidente informou o Ministério Público, o defensor e os arguidos que o tribunal considerava a pena consensual única proposta relativamente a cada um dos arguidos se lhe não afigura desajustada às finalidades gizadas pela lei relativamente às penas, pelo que nada mais sendo requerido se proferirá acórdão, de imediato, respeitando aquele acordo.
Nada tendo sido requerido, o M.m.º Juiz Presidente leu publicamente uma síntese do acórdão, após o que fez uma breve alocução aos arguidos, na qual incluiu breves palavras acerca dos acordos sobre a sentença.
Nada mais havendo a tratar foi então declarada encerrada a audiência. (…)

3 comentários:

Simas Santos disse...

Sobre esta temática põe ver-se, além do mais, de Pedro Soares de Albergaria, Plea Bargaining - Aproximação à Justiça Negociada nos E.U.A., Almedina, Coimbra 2007, com a seguinte sinopse:
"Na opção por um específico traço do processo penal estadunidense como objecto de apreciação, poucos teriam a virtualidade de se mostrar tão fecundos, nas possibilidades que encerram, de pôr em evidência os traços gerais do direito processual penal daquele país e os desequilíbrios de poder que o caracterizam em não poucos pontos. Isto logo porque, para além de cerca de 90% das condenações proferidas por tribunais norte-americanos resultarem de uma plea of guilty (à qual, normalmente, subjaz a plea bargaining), é no estudo do fenómeno da negociação da declaração de culpa que, por excelência, se pode verificar e compreender a singular posição de poder que o M.P. detém nos E.U.A. e a extrema disponibilidade que as partes têm do objecto do processo - enfim, dois traços profundamente inscritos no etograma do processo penal norte-americano e, do mesmo passo, outros tantos sinais patognomónicos da crise que atinge a imagem dele."

A.R. disse...

Em 26 de janeiro de 2012, idêntico procedimento num processo comum singular, tribunal de Penacova. Pode ser consultado no SIMP.
https://simp.pgr.pt/intranet/destaques/anexos/1578_acordos_sobre_sentenca.pdf

Simas Santos disse...

Não o pode disponibilizar?