sábado, 14 de março de 2009

Casa da Supplicação

Recurso de matéria de facto - In dúbio pró reo - Ilações ou conclusões da matéria de facto - Poderes do Supremo Tribunal de Justiça - Homicídio qualificado - Mais de três pessoas - Medida da pena - Recurso de revista
1 – Como é entendimento pacífico do STJ, quando com o recurso interposto de decisão final de Tribunal Colectivo, se intenta que o Tribunal Superior reexamine a decisão impugnada em matéria que se situa no âmbito factual, o seu conhecimento cabe ao Tribunal da Relação e não ao Supremo Tribunal de Justiça.
2 – Formula-se um pedido de reexame da decisão impugnada em matéria que se situa no âmbito factual, quando se critica no recurso a matéria de facto provada, entendendo que, dos factos provados directamente, e dos não provados havia que extrair outros provados indirectamente que, por sua vez, originariam a aplicação do princípio do in dubio pro reo, com consequências na fixação da matéria de facto. Como é o caso presente.
3 – O STJ só pode sindicar a aplicação daquele princípio quando da decisão recorrida resulta que o Tribunal a quo ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido. Não se verificando esta hipótese, resta a aplicação do mesmo princípio enquanto regra de apreciação da prova no âmbito do dispositivo do art. 127.º do CPP que escapa ao poder de censura do Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista. Saber se o tribunal devia ter ficado na dúvida é também matéria de facto que escapa à competência do Supremo Tribunal de Justiça.
4 – O STJ não pode concluir, mesmo com o recurso, por analogia às regras do art. 410.º do CPP, a pedido do recorrente, que as Instâncias deveriam ter ficado no estado de dúvida, o que constitui a dimensão de facto do próprio princípio in dúbio pró reo, para depois aplicar a essa conclusão o mesmo princípio, enquanto regra de direito, como não pode censurar as conclusões ou ilações que as instâncias tiraram dos factos directamente provados, salvo se as instâncias ao extrair aquelas conclusões ou ilações não se limitam a desenvolver a matéria de facto provada, e a alteraram.
3 – O segmento da comparticipação na al. g) do n.º 2 do art. 132.º do C. Penal tem a razão de ser a de que, cometido o crime com a comparticipação de pelo menos 3 pessoas, haverá naturalmente um aumento dos meios de execução que confere mais eficácia à acção, diminuindo em consequência as possibilidades de defesa da vítima.
4 – Não oferece dúvidas de que é susceptível de revista a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação. Deve entender-se que a questão do limite ou da moldura da culpa está plenamente sujeita a revista, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada
5 – A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.
AcSTJ de 12.03.2009, proc. n.º 237/09-5, Relator: Cons. Simas Santos
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Recurso de revisão - Novos meios de prova - Nova revisão - Legitimidade - Mesmo fundamento
1 – O recurso extraordinário e revisão é, como o nome indica, um expediente extraordinário de reacção contra uma decisão já transitada em julgado, visando obter autorização do Supremo Tribunal de Justiça para que seja novamente apreciada a condenação ou absolvição ou arquivamento (em casos menos frequentes) através de um novo julgamento.
2 – Comporta duas fases: (i) uma fase rescidente, em que o requerente procura convencer o Supremo Tribunal de Justiça da justeza e legalidade da sua posição e obter a autorização de revisão da decisão impugnada; e (ii) uma fase rescisória em que é realizada essa revisão. Na fase ou juízo rescidente, parte do processo tem lugar no Tribunal da decisão (de facto) impugnada, mas outra parte ocorre já no Supremo Tribunal de Justiça.
3 – Assim, o pedido de revisão é apresentado no tribunal onde se proferiu a sentença que deve ser revista (n.º 1 do art. 451.º do CPP), sendo o respectivo requerimento sempre motivado e com a indicação dos meios de prova (n.º 2) e juntas a certidão da decisão de que se pede a revisão e do seu trânsito em julgado bem como os documentos necessários à instrução do pedido (n.º 3).
4 – Abre-se, então, um apenso aos autos onde se proferiu a decisão a rever, onde é a revisão processada (art. 452.º do CPP) e se a revisão se fundar na descoberta de novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, o juiz procede às diligências que considerar indispensáveis para a descoberta da verdade, mandando documentar, por redução a escrito ou por qualquer meio de reprodução integral, as declarações prestadas (n.º 1 do art. 453.º do CPP), mas o requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor (n.º 2). Nos 8 dias seguintes ao termo do prazo de resposta ou depois de completadas as diligências a realizar, o juiz remete o processo ao Supremo Tribunal de Justiça acompanhado de informação sobre o mérito do pedido (art. 454.º).
5 – Uma vez apresentado o requerimento no Tribunal que proferiu a decisão a rever, o juiz num despacho inicial admite-o, providenciando para que, a seu tempo, seja remetido ao seu destino, pois de outra forma se estará a colocar na mão do Juiz da decisão a rever, a apreciação detalhada da admissibilidade da impugnação extraordinária, quando é certo que a nova redacção dada ao art. 40.º do CPP, pela Lei n.º 48/2007, alargou os impedimentos de juiz na revisão.
6 – Mesmo tratando-se de nova revisão, em que o art. 465.º na redacção da Lei n.º 48/2007, já referida, veio alargar a legitimidade (para novo pedido de revisão), mas subordinando-a a um requisito que já respeita também ao fundo da pretensão: «não ser o mesmo [da(s) outra(s) revisão(ões)] o fundamento do pedido», o exame do pedido não é um mero exame perfunctório acessível ao Juiz da decisão a rever, pois impõe um conhecimento mais detalhado que se aproxima do conhecimento de fundo da pretensão e que tem de estar reservado ao tribunal ad quem, ao Supremo Tribunal de Justiça.
7 – No caso de o juiz da decisão a rever não admitir ou rejeitar o recurso extraordinário de revisão, a Relação, como foi entendido na decisão sumária ali tomada, não é competente para apreciar essa decisão de não admissão ou de rejeição, pois é alheia à tramitação da fase rescidente do recurso extraordinário de revisão que corre exclusivamente no tribunal da decisão a rever e no Supremo Tribunal de Justiça, que a pode sindicar.
8 – A al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP também consente a revisão com base em novos meios de prova de factos já debatidos no julgamento que conduziu à sentença cuja revisão se pede e não só com base em novos factos e respectivos meios de prova.
9 – O “mesmo fundamento”, a que alude o art. 465.º, refere-se ao complexo concretos novos factos e/ou novos meios de prova. Só se estaria perante o mesmo fundamento quando se verificasse a coincidência do fundamento “normativo” (por referência à mesma alínea) e a coincidência dos fundamentos concretos, coincidência nos novos factos e/ou as novas provas.
10 – Também está aqui presente a tensão que se viu existir, em geral, no recurso de revisão entre a segurança jurídica e a justiça. Se se compreende a necessidade de prevenir uma sucessão inesgotável de recursos de revisão, como se de recursos ordinários se tratasse, a fim de fazer vingar a tese do recorrente, como génese da introdução do limite especial à admissibilidade de nova revisão, pela Lei n.º 48/2007, alargada a todos aqueles que podiam formular o primeiro pedido (e já não só o Procurador-Geral da República, sem limitações de fundamento, o que era anteriormente à vigência daquela lei), a negação da admissibilidade de nova revisão, com base em elementos concretos em tudo diferentes dos anteriormente invocados, salvo a alocação à mesma alínea, pode ferir inadequadamente a justiça.
11 – Assim, considera-se que a mera invocação da mesma alínea não permite afirmar, por si, só que se trata do “mesmo fundamento” inviabilizando nova revisão. Para que tal sucede importa ainda que seja o mesmo o fundamento concreto em ambos casos, elemento a avaliar com rigor, por forma a prevenir evitável e indesejável transtorno da segurança jurídica que o caso julgado deve garantir, através de perpetuação de sucessivos pedidos de revisão com pequenas variações do mesmo fundamento.
AcSTJ de 12.03.2009, proc. n.º 316/09-5, Relator: Cons. Simas Santos

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